São tão prestimosas e mimosas as mulheres de quem falo, que é difícil, não elogiá-las; fazem de tudo para personalizar o atendimento devotado aos pais de alunos e aos estudantes de um modo geral.
Com que carinho elas encapam os cadernos, expõem sobre as marcas que ali revendem, comercializam seus lindos bordados, sempre com respeito e um largo sorriso.
Mas não dá para falar dessas mulheres sem lembrar de como tudo começou, de como a família Raskevicius veio parar em São Miguel Arcanjo, vindo lá da Lituânia.
Vamos a uma pequena história:
----- Até 1.795, a Lituânia esteve anexada à Polônia, em virtude do matrimônio do grão duque Sagellon com a rainha Ladwige, após o que o seu território foi entregue aos russos.
Muitos resistiram a essa ‘russificação’ realizada pelo Czar Nicolau II, permanecendo fiéis a sua antiga língua, ao catolicismo e às tradições nacionais.
Nessa luta inglória, muitos lituanos foram enforcados, outros tantos deportados para a Sibéria.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Lituânia foi ocupada pelos alemães; derrotados estes, os lituanos viram seu país transformar-se num campo de batalha entre os exércitos prussiano, russo e polonês.
Os soviéticos tomaram Vilna, a capital, restituída em 1920. Com a retomada de Vilna, os poloneses puseram fim à amizade entre lituanos e poloneses.
Em 1.926, ainda se tentou reorganizar o país: foi eleito Casimir Grinius, chefe do Partido Popular Camponês, para presidente da Nação, mas foi derrubado no mesmo ano pelo regime autoritário de Augustinas Voldemaras.
Como se pode viver assim, criar os filhos, sonhar com o futuro, tecer metas de vida?
Foi então que a família Raskevicius, antes numerosa, decidiu fugir definitivamente dessa guerra. Era a família de Maria Dubickate Raskevicius e Raskevicius Petras, que, em busca de paz, decidiram pelo Brasil.
Nessa opção, a esposa de Petras teve que abdicar a um sobrenome, pois não se permitia a alguém que pretendesse entrar no país possuindo dois nomes estrangeiros. Resolvida essa questão, conseguiu a família viajar a bordo da embarcação Mosela.
Foi a mais triste viagem de todos os tempos para a família Raskevicius: nela, o filho caçula acabou ficando doente e morreu em alto mar; quando isso acontecia, o corpo era jogado para as águas.
Cena pavorosa que o coração daquela mãe teve que carregar até o fim dos seus dias: cardumes e cardumes apareceram nas águas, levando para sempre o corpo do menino.
Desembarcando os Raskevicius no porto de Santos aos 19 de junho de 1.927, foram residir em São Paulo. Tão logo isso aconteceu, mais um filho, o Brone, faleceu.
A vida passou. Por mais de dez anos levaram a vida como a puderam levar; Pedro comercializava pelas ruas do bairro o que pudesse vender para sustentar a família.
Informados, certa vez, de que o governo brasileiro estava doando terras a quem quisesse trabalhar, foram para o interior e descobriram São Miguel Arcanjo.
Levados a morar na Reserva Florestal, hoje, Parque Estadual "Carlos Botelho", tornaram-se lavradores, também cuidando do forno de carvão que lá existia.
A família, composta pelo casal e os filhos Helena, Ana e Antonio Raskevicius, moravam num rancho que ficava próximo a uma biquinha; ao lado da residência, Pedro deixou plantado um pé de pera.
Em plena escuridão da mata, terreno inculto, quantos sacrifícios mais passaram os Raskevicius!
Alguns anos depois, foram convidados a se retirarem, meio que "expulsos" dali, porque o governo do estado tinha planos para o local e então passaram a residir no centro de São Miguel Arcanjo.
Petras, ou como era conhecido, Pedro Raskevicius montou sua casa e seu ponto comercial para poder viver pacificamente, vendendo principalmente banana, banana de todas as qualidades, e também variadas guloseimas.
Ficava ali pertinho do Grupo Escolar que o governo estadual se empenhara, anos atrás, em construir.
O quintal da residência da família de Pedro e Maria Raskevicius, ou Maria Russa como ficou conhecida, nunca deixou de florir; era coberto de flores, das mais simples às mais sofisticadas.
Rosas, as mais lindas, cheirosas e grandes!
Quem passava por ali parava para respirar o perfume e admirar o cuidado com que Maria Russa tratava o seu jardim.
E o ciúme, então?
Ai daquele menino que ousasse picar uma folha das suas roseiras ou furtasse uma só pétala de suas margaridas!
Para Maria Russa, as flores sempre foram símbolo de liberdade e de alegria de viver.
Quem algum dia folheou ou vier a folhear a revista TV Escola, edição especial de abril de 2.000, verá à página 32, a foto da família.
Só que publicaram que a família era polonesa.
Não, a família não era nem polonesa e nem russa, mas, sim, lituana.
Uma família lituana que adotou São Miguel Arcanjo e foi completamente adotada por todos os são-miguelenses.
As fotos foram encontradas no arquivo da Apesp.
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