sexta-feira, 23 de outubro de 2015

RELEMBRANDO SERMÕES DO PADRE ANTONIO VIEIRA


SERMÃO AOS PEIXES

Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam nem domesticam.
Dos animais terrestres, o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres, com arte e benefícios, se amansam.
Dos animais do ar, fora aquelas aves que se criam e vivem conosco, o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento.
Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão pequeno, que não fuja dele.
Os autores comumente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião.
Não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro, e me parece que, se não fora natureza, era grande prudência.
Peixes, quanto mais longe dos homens, tanto melhor: trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!
Se os animais da terra e do ar querem ser seus familiares, façam-no muito embora, que com suas pensões o fazem.
Cante-lhe aos homens o rouxinol, mas na sua cadeia; vá com eles à caça o açor, mas nas suas pioses; faça-lhe bufonerias o bugio, mas no seu cepo; contente-se o cão de lhe roer um osso, mas levado onde não quer pela trela, preze-se o boi de lhe chamarem fermoso ou fidalgo, mas com o jugo sobre a cerviz, puxando pelo arado e pelo carro; glorie-se o cavalo de mastigar freios durados, mas debaixo da vara e da espora; e se os tigres e os leões lhe comem a ração da carne que não caçaram no bosque, sejam presos e encerrados com grades de ferro.
E entretanto, vós, peixes, longe dos homens e fora dessas cortesanias, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água.
De casa e das portas adentro tendes o exemplo de toda esta verdade, o qual vos quero lembrar, porque há filósosfos que dizem que não tendes memória.

- Sermão de Santo Antonio. Maranhão, 1651 -
      

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