sábado, 6 de junho de 2015

O MAIS ODIADO DOS MÁGICOS


Pintura de Lafayette, descrita por Will Goldston
Lafayette foi o mais odiado de todos os mágicos que já viveram. E isto soa estranho, uma vez que, foi ele quem estabeleceu um novo patamar entre os artistas da mágica: artistas de primeira classe com salários astronômicos. 
Ele provou aos gerentes do Holborn Empire, um grande teatro da época, que era digno das quinhentas libras semanais que cobrava como salário, ao lotar o teatro por uma quinzena inteira e obter altos lucros com seu show.
Lafayette era anti-social a ponto de ser rude, e por esta razão foi universalmente execrado. 
Suas constantes recusas em se encontrar com colegas mágicos, tanto na Europa como na America, fizeram dele uma figura muito impopular, agraciado por onde quer que passasse com o mais puro e sincero desprezo.
Eu sempre acreditei que, na verdade, ele tinha medo de encontrar seus colegas ilusionistas. Seu conhecimento das artes mágicas era insignificante e, ao invés de demonstrar a sua ignorância profissional a outros mágicos, já que era um eminente mágico, ele acabava preferindo a sua própria companhia.
Como ilusionista ele era maravilhoso, e suas apresentações, eu classifico serem do mesmo nível de Houdini e John Nevil Maskelyne. 
Somente aqueles que viram esses dois em seu apogeu podem imaginar quão grandiosos eram tais shows. Mas a habilidade de iludir no palco não significa, necessariamente, conhecimento da mágica real. E neste conhecimento, Lafayette estava em falta.
Ele era, pura e simplesmente, um ilusionista mecânico. Ele era esperto o bastante para construir diferentes programas (gimmicks) para qualquer mágica apresentada em seu tempo, e foi desse modo, que construiu a sua reputação. “Isso deve ser espetacular!” era o seu lema, e ele o seguia à risca. Seu ato era tipificado pelo cenário deslumbrante, pelas vistosas cortinas e pela música sempre muito alta e comovente.
Lafayette veio de uma trupe alemã e começou sua carreira como um artista cênico. Por certo que foi essa a razão do seu grande apreço pelas ilusões. Eu nunca soube como ele acabou por adotar a mágica como profissão, mas sem dúvida sua posição como um pintor de cenários teatrais foi quem despertou nele tal desejo.
Ele era chamado de excêntrico. Isso é um grande eufemismo. Eu o considero um louco. Ele tratava suas assistentes de palcos como soldados e ordenava que elas o saudassem nas ruas. Uma vez, ele comprou um colar de diamantes para sua cachorrinha. Ele também pagava todas as suas contas com cheques, não importando se o valor da compra fosse de apenas alguns centavos. Um homem que faz todas essas coisas, eu repito, deve ser louco.
Seu cachorrinha “Bela” era a sua grande fraqueza. Era esse o animal que aparecia desenhado em todos os seus cheques e contratos de teatro. 
Um banheiro especial para Bela foi construído na casa de Lafayette em Torrington Square, e todas as noites o animal era servido com uma completa refeição quente, que ia desde sopas como entrada até doces de sobremesa. 
Um retrato de Bela ficava do lado de fora da casa com uma estranha frase escrita debaixo da figura: “Quanto mais eu conheço os homens, mais eu amo o meu cachorro”.
Lafayette era um grande empreendedor e recorreu à publicidade mais irritante que eu já conheci em toda a minha vida: ele mandou imprimir fotos com seu nome escrito em papéis com grude na parte de trás, e mandava colar estas fotos nas paredes internas e externas dos banheiros públicos nas cidades em que ele iria se apresentar. Esse procedimento lhe trouxe mais problemas do que benesses.
Ele era também um pugilista, como acabou descobrindo da pior maneira o Sr. Inglish de Chicago. Quando Lafayette foi se apresentar naquela cidade, acabou se tornando muito amigo de uma moça jovem e bonita e cujo marido, nada sabia a respeito desse “affair”. É possível imaginar claramente a surpresa desse homem quando, ao entrar em um restaurante, viu sua esposa, que mais parecia um manequim de desfile, tamanha sua produção, almoçando com o grande mágico.
“Então é isto que ela faz?” pensou o Sr. Inglish. “Vou ver o que está acontecendo.” Ele se aproximou de Lafayette e com um tapinha no ombro disse ao mágico:
- “Você sabia que essa dama é minha esposa?”
“E daí?”, retrucou Lafayette, não dando a mínima atenção ao homem atrás dele.
- “E o que você diz de levá-la para jantar sem a minha permissão?”
Lafayette não respondeu, ao invés disso, mandou um incrível soco direto no queixo do Sr. Inglish. Foi a maneira mais fácil de acabar com aquela discussão. 
O marido caiu nocauteado no ato e, quando acordou, foi questionado por que importunara uma pessoa tão importante como Lafayette.
E assim ficou a fama deste marido enganado.
Quantas pessoas sabem da verdade sobre a morte de Lafayette: poucas, eu deduzo. Ele foi queimado até a morte no desastre que houve no Teatro Imperial de Edimburgo em 9 de maio de 1911. A lenda que se conta é que ele conseguiu fugir do incêndio, mas acabou voltando para dentro do teatro a fim de salvar seu cavalo branco que permaneceu no teatro. Há pouca verdade nesta lenda.
O que de fato aconteceu foi isto: Lafayette sempre insistiu que a “porta de passagem” – uma pequena porta de ferro que liga os estábulos às laterais do palco do teatro – deveriam permanecer trancadas durante o seu show. Esta ordem servia para que intrusos não invadissem o teatro e acabassem talvez descobrindo o segredo de suas ilusões.
Uma condição estúpida, e que acabou lhe custando a vida.
Quando o incêndio começou no palco, ele correu até a porta de passagem para facilitar sua saída do teatro. Ele havia se esquecido de sua própria ordem de trancar essas portas. 
Antes que pudesse se dirigir a outra saída, o palco estava imerso em chamas e fumaça e, derrubado pela fuligem, calor e fumaça, acabou caindo, inconsciente. 
Quando seu corpo foi resgatado, estava irreconhecível.

Lápide do "Grande Lafayette", no cemitério em Glasgow.
Leonardo Glass

Nenhum comentário: