segunda-feira, 7 de novembro de 2016

HORA DE LER:


GREVE DO CÃO

São inacreditáveis algumas das notícias que lemos:
“Lambidas de cachorro podem parecer carinho, mas na verdade são apenas uma forma que os animais têm de identificar por onde o dono andou, diz a pesquisa norte-americana. Como são animais com muita sensibilidade a cheiros e sabores, os cães fazem a festa, experimentando novas sensações quando seus donos voltam da rua.”
Todos estavam tensos. Nervosos. Temiam a presença de espiões entre eles. Ao entrarem no austero prédio foram vasculhados minuciosamente e sequer uma pulga foi encontrada.
Civilizadamente caminharam sobre o piso de granito de Assuã – o mesmo das pirâmides egípcias – admirando as pinturas dos mestres Boticelli e Donatello do renascimento florentino, para se acomodarem na mesa de jacarandá doada por Rui Barbosa. Estava reunida em Haia, na Holanda, a cúpula dos cães farejadores do planeta.

O artigo publicado nos jornais mundo afora encimava a pauta da reunião extraordinária.
A mesa redonda distribui o poder de forma equilibrada entre os presentes. O pastor alemão Lutero representa os farejadores de palavrões nos livros escolares. O labrador golden retriver Strongnose é o diretor de operações especiais nos aeroportos da costa oeste dos Estados Unidos. É capaz de identificar a cidade de origem de qualquer americano pelo cheiro do chiclete. Batalão, é um premiado vira-latas da Rocinha: localizou um torcedor do América em dia de Maracanã lotado. Talmud é policial reformado do exército. Se aposentou antes de encontrar a paz no território israelense. O mastiff Eticus nascido em Roma, é especialista em fungar políticos. Em doze anos de serviço foi capaz de localizar dois honestos.
Com o austero cenário descrito, alguns personagens apresentados e o microfone do tradutor simultâneo desligado para evitar gravações, deu-se início à reunião.
Todos rosnaram simultaneamente.
— É um absurdo o que fazem conosco. Temos que dar um basta nesta situação abusiva.
— Exigimos o máximo de oito horas de trabalhos diárias.
— Precisamos de descanso semanal.
— Chega de ração. Exigimos comida decente.
— Também temos direito à sobremesa.
— Chega de banhos em quartos de empregada. Precisamos de banheiras com hidromassagem.
Apenas o sindicalista Arnoldo estava quieto no seu lugar. No momento certo latiu mais alto, silenciou todos. O pitbull conhecido por seu temperamento agressivo e apelido de Exterminador afirmou que precisavam de uma proposta única. Consequentemente todas as reivindicações foram anotadas e por unanimidade foi votada e aprovada que iriam exigir o direito de lamber e cheirar bifes de filé mignon.
E agora sim, Arnoldo, com sua larga experiência apresentou a grande arma secreta, o único meio de persuadir os homens a terem boa vontade. Uma greve.
— Todos, até o cachorro do cafezinho latiram em coro: Unidos unidos jamais seremos vencidos; unidos unidos jamais seremos vencidos.
Foi deflagrada a greve por tempo indeterminado. A partir do dia seguinte todos os cães da face da terra deixariam de abanar o rabo.

Roberto Klotz.


Brasília, DF, Roberto Klotz é um engenheiro que saltou do topo do prédio recém-construído e estilhaçou-se em parágrafos. Nasceu no século passado. Bem-humorado, crítico, vacinado, analfabeto, irônico, paulistanamente candango. 
Suas histórias muitas vezes têm finais surpreendentes. 
Enquanto aprendia a cozinhar, escreveu Pepino e farofa, um livro de aventuras culinárias, engordou de tantas pizzas encomendadas. 
Para perder peso, o médico recomendou que caminhasse. Durante as caminhadas encontrou elefante, lâmpada mágica, cão bravo, pegadas de onça, muito cocô e 45 motivos para exercitar o bom humor em Quase pisei! 
A vida continua e, aí, o álter ego, von Silva tornou-se personagem de Cara de crachá, um funcionário público que carimba bom humor dentro e fora do expediente. 
Klotz conquistou mais de 20 prêmios literários e foi durante quatro anos, Conselheiro de Cultura na Secretaria de Cultura do DF. 
Saltou do prédio por saber-se imortal. 
Ocupa uma cadeira na Academia de Letras do Brasil – DF. 
Foi jurado de vários concursos literários e promove oficinas literárias.
Fonte: Blog Roberto Klotz

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