terça-feira, 29 de setembro de 2015

O BANDIDO POBRE QUER SE TORNAR CADA VEZ MAIS VISÍVEL

'Arrastão ostentação': Suspeitos no RJ expõem cotidiano de violência na web
Ricardo Senra - @ricksenra/da BBC Brasil em São Paulo
Fotos do Facebook

Jovens suspeitos de promover arrastões vêm transformando redes sociais em janelas para cotidiano em locais que ocupam o topo das estatísticas de violência no RJ.
"Mó 'responsa', meu 'Face' tá passando na TV", escreve o adolescente J.A., morador da Vila Kennedy (Zona Oeste do Rio de Janeiro), para seus 3 mil seguidores no Facebook.
Em minutos, ele comemora mais de 200 curtidas e elogios, tudo graças à reportagem que o mostrava entre os suspeitos dos arrastões no último domingo em praias cariocas. 
"Os 'moleque' estão roubando a cena na Globo!", "'Nóis' passou na Record também".
Um de seus vizinhos, seguido por mais de 5 mil pessoas, publica uma selfie sem camisa, com o peito coberto por cinco correntes douradas sobrepostas.
"Zona Sul é minha vitrine, lá escolho o meu 'maciço'", diz, usando gíria comum na região para colares de ouro.
Avessos a entrevistas, mas animados com o alcance midiático dos assaltos, os jovens suspeitos de promover arrastões vêm transformando redes sociais em janelas para seu cotidiano em locais que ocupam o topo das estatísticas de violência no Rio – como Penha, Jacarezinho e Manguinhos.
Em seus perfis e grupos de discussão, eles compartilham fotos de jornais com flagrantes de assaltos ("aceita que dói menos"), imagens aéreas da correria em praias ("olha eu ali de branco") e registros caseiros de fuzis, carabinas e drogas ("hoje a noite vai ser pesada").
Colares dourados estão entre as imagens mais compartilhadas pelas páginas ligadas a arrastões.
As fotos são tiradas com celulares, em lajes ou pequenos cômodos localizados no eixo mais pobre da cidade, a dezenas de quilômetros da orla.
A distância não é só física: em Ipanema, um dos principais alvos dos arrastões, a renda mensal por morador é de R$ 6 mil e 60% das pessoas têm ensino superior completo, segundo o Atlas Brasil, da ONU.
Já no Jacarezinho, de onde vêm muitos dos jovens, a renda per capita não chega a R$ 440 e só 1 em cada 100 moradores completa a faculdade.
De origem desconhecida, a frase "Enquanto não houver justiça para os pobres, não haverá paz para os ricos" se repete em dezenas de perfis ligados aos arrastões.
Depois dos últimos arrastões, o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, e seu secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, defenderam que "jovens suspeitos" sejam impedidos de chegar às praias – contrariando o Ministério Público do RJ, que recomenda apreensões apenas em casos de flagrantes.
"Se tiver um ônibus com adolescentes que não pagaram passagem, que estão descalços, de bermuda, sem documento, leva pra delegacia e os pais vêm buscar", disse Pezão, prometendo tolerância zero a arrastões. De acordo com Beltrame, "a polícia vai agir de maneira que a população tenha o seu direito de ir e vir garantido".
Mas para Michel Misse, diretor do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Necvu), o principal risco dos arrastões é justamente uma ameaça ao direito de ir e vir – só que da população mais pobre.
Presente em classes sociais distintas – do "champanhe que pisca" nos camarotes de casas noturnas de luxo ao funk de MC Guimé nas aberturas de novelas –, a moda da ostentação também está na raiz dos tumultos registrados em praias cariocas.
Na disputa por status, quem aparece no Facebook com mais correntes de ouro, pilhas de notas de R$ 50 e R$ 100, celulares (iPhones e Moto G) ou bicicletas ganha título de "patrão", novos seguidores e prestígio nos "coretos".
 
O termo se refere à autodenominação de diferentes "bondes" ou grupos de adolescentes que se reúnem para praticar furtos em áreas ricas. 
Jovens se organizam em coretos, termo ligado a "bondes" ou grupos de adolescentes que se reúnem para praticar furtos.
As descrições dos coretos trazem referências a crimes previstos no Código Penal. As mais frequentes aparecem na internet como hashtags: #155 (furto) e #157 (roubo).
De acordo com policiais, os coretos seriam parte do núcleo armado do tráfico e seus integrantes teriam autorização para praticar roubos na Zona Sul. Entre os principais alvos dos coretos estariam bicicletas, que depois seriam vendidas em sites de compras.
Em abril deste ano, uma mulher teve seu cordão arrancado por um adolescente durante entrevista ao vivo sobre insegurança para um jornal da TV Globo.
Tão frequentes quanto as menções ao crime são frases com declarações apaixonadas à namorada ("foi muito bom passar a segunda-feira ao lado do amor da minha vida") e vídeos familiares, como o da festa de aniversário da sobrinha.
A quebra de sigilo dos perfis dos jovens suspeitos está sendo avaliada pelo Ministério Público.
 
Desde a eclosão dos arrastões, o Facebook vem apagando páginas ligadas a coretos (como a "Coreto do Injeta", que reunia algumas das postagens mais violentas do grupo).
A rede afirma que analisa "denúncias de linguagem ameaçadora para identificar potenciais danos à segurança pessoal" e remove "ameaças reais de danos físicos a indivíduos".
A maioria dos perfis de apologia ao crime, entretanto, continua no ar.
BBC BRASIL

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