Seria mais uma decisão na rotina do juiz de Direito Teomar Almeida de Oliveira, da vara Criminal da comarca de Senhor do Bonfim/BA, se não fosse pelo caso da sanfona apreendida que inspirou o magistrado a proferir sentença em formato poético.
Teomar de Oliveira utilizou versos rimados para decidir com quem iria ficar uma sanfona que virou objeto de litígio entre dois músicos.
Em dez estrofes, o juiz contou o imbróglio de uma sanfona que foi apreendida em uma ação de disputa proprietária do instrumento.
Um sanfoneiro ajuizou ação contra outro músico, chamado Nivaldo, que publicou nas redes sociais algumas fotos de uma sanfona que o primeiro músico alegou ser a sua, roubada três anos antes.
Até que uma das partes conseguisse provar a propriedade do instrumento, Teomar de Oliveira determinou a apreensão da sanfona.
Posteriormente, Nivaldo apresentou documento que comprovou a compra do instrumento e o magistrado, em uma ordem ritmada, determinou:
"Nivaldo, o direito é seu, como fiel depositário / Visto seu opositor não ter provado o contrário".
"Não sei quem é o proprietário/ Mas, o possuidor do melhor documento (fls. 62) / É presumido o signatário / Dono daquele instrumento / Ficando com o direito / De recebê-la no peito como fiel depositário."
Em entrevista a um jornal baiano, o magistrado afirmou ser um admirador do instrumento. "Fiz [o texto] para representar os dois sanfoneiros e o instrumento em si", completou Teomar.
Leia a sentença-poema na íntegra.
"DECIDAM"
SANFONA DO POVO
(Luiz Gonzaga)
“Quem roubou minha sanfona foi Mané, foi Rufino, foi Romão?
Quem roubou minha sanfona foi o Zé, foi Batista ou Bastião?
Quem roubou minha sanfona aí! traz de volta seu ladrão
Olha aqui essa sanfona sempre foi a minha dona e tem valor
de estimação!!
Quem roubou minha sanfona eu bem sei foi alguém sem coração.
Nesse dia eu não cantei quase chorei foi tão grande a emoção!
Quem roubou minha sanfona ai! peço não faça de novo!
Pois esta sanfona bela que eu estou tocando nela é a sanfona do povo.
(...)”
No embalo da emoção
Sanfoneiros pedem aquela sanfona velha
Que um dia já foi bela
Hoje ela é castigada, afastada da canção
Condenada a viver gelada
No banheiro da prisão
E o sanfoneiro engaiolado
Sem a voz, os dedos e o pulmão
Distante da sanfona velha
Seu maior bem de estimação
Espera que o Juiz diga qual o querelado
Que levará a sanfona do povo junto ao seu coração
Não há mais tempo de espera
Para uma decisão que preste
O povo está desolado
Por ver o maior símbolo do Nordeste
Que despontou numa tapera
Como um pássaro engaiolado
De tão simples instrumento
Das cantigas do sertão, xote, xaxado e baião
Passou à relíquia sem documento
De disputa encarecida, cobiçada no momento
Que chega a envergonhar o nosso Rei Gonzagão
Quando disse outro dia que o jumento é nosso irmão
Pobre sanfona do povo
Pagando o que não deve
Como qualquer prisioneiro
Presa por ser a rainha do Nordeste e do Sertão
Não pode mais permanecer
Como adorno de banheiro de masmorra da prisão
Não sei quem é o proprietário
Mas, o possuidor do melhor documento (fls. 62)
É presumido o signatário
Dono daquele instrumento
Ficando com o direito
De recebê-la no peito como fiel depositário
Não decido por decidir
Mas, por a lei me permitir (art. 120, § 4º, CPP)
Colocar em suas mãos
Que outrora foi tirada, do povo e dos cidadãos
Sem piedade e compaixão
Aquela sanfona velha que imortalizou Gonzagão
Nilvado o direito é seu, como fiel depositário
Visto o seu opositor não ter provado o contrário
Até que se finde a contenda
Delegado me atenda
Como da outra vez foi buscar
A bela sanfona do povo, vá agora entregar
E para finalizar
Hei por bem declarar
Que fui competente para buscar
Sou também para entregar
Cumpra-se, sem titubear!
P.R.I.
Apense-se ao IP. Após, arquive-se os autos com as devidas baixas.
Senhor do Bonfim, 23 de março de 2018.
TEOMAR ALMEIDA DE OLIVEIRA
Juiz de Direito
Fonte: Migalhas Quentes.
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