quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

REINALDO AZEVEDO E AS LIVES DE HOJE










Por: Reinaldo Azevedo
Publicada: 19/12/2018 - 7:06
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, fez mais uma “live” nesta terça-feira. Querem saber? Ele me inspira mais piedade do que Pestana, a personagem do conto “Um Homem Célebre”, de Machado de Assis. O dito-cujo queria fazer música erudita, mas só tinha talento para a polca. Quando imaginava que daria à luz algo essencial à humanidade, vinha-lhe à mente uma obra original, sim, mas seu título não podia ser nada além de “Não bula comigo, nhonhô. Pestana, coitado!, deve-se registrar, era boa-praça, não ambicionava o poder e só fazia música ruim. Era, tudo indica, meio burro, mas nada que chocasse os salões. Ele também não ambicionava uma fala normativa, que servisse de instruções a terceiros. Em suma: Pestana era apenas um cara que sonhava com o estrelato da música de concerto, mas não produzia nada além de polcas que contavam com o gosto popular. Sua mediocridade era irrelevante.
A de Bolsonaro não é. Ele fez uma nova “live” nesta terça e mal conseguiu disfarçar o constrangimento. Todos os temas que compuseram a política do ódio ao longo da campanha eleitoral foram perdendo sentido. Ah, não! Ele não tem o que dizer sobre Fabrício Queiroz, o assessor de Flávio Bolsonaro, seu filho e senador eleito, que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano. Então falar sobre o quê?

Por: Reinaldo Azevedo
Publicada: 19/12/2018 - 7:01
Aí o presidente eleito do Brasil fez de conta que estava nos EUA, assediado pela imigração dos latinos, ou na Europa, destinação principal dos deserdados do mundo e afirmou:
“Todo mundo sabe o que está acontecendo com a França. Está simplesmente insuportável viver em alguns locais da França. E a tendência é aumentar a intolerância. Os que foram para lá, o povo francês acolheu da melhor maneira possível. Mas vocês sabem da história dessa gente, né? Eles têm algo dentro de si que não abandonam as suas raízes e querem fazer valer a sua cultura, os seus direitos lá de trás, e os seus privilégios.”
É tanta bobagem reunida em tão poucas palavras que é quase impossível comentar. Pra começo de conversa, é falso que todo mundo saiba o que acontece na França. Bolsonaro, por exemplo, não sabe. A crise dos tais “coletes amarelos” nada tem a ver com a imigração de origem árabe. O presidente eleito do Brasil é tão primitivo e cru nesses assuntos que, não fosse a sua brutalidade retórica e a de seguidores na Internet, seria o caso de se apiedar: a piedade que temos diante da ignorância.
Dizer o que a este pobre-coitado intelectual? Recomendar-lhe que leia “O Estrangeiro”, de Albert Camus, que faz um homem se sentir um forasteiro na Argélia — onde nasceu o próprio autor —, então uma colônia francesa? Mas isso seria, convenham, exagerar com Bolsonaro, um homem simples. Vamos combinar: ele tem pinta de quem não lê nem embalagem de produtos de limpeza quando nada mais o socorre no trono do banheiro…

Por: Reinaldo Azevedo
Publicada: 19/12/2018 - 7:00
Em todo caso, o presidente eleito poderia ser, claro!, um crítico muito duro dos imigrantes. Mas digam aqui ao Tio Rei: é esse um dos nossos problemas relevantes? Muito mais grave no Brasil tem sido a emigração de cérebros — os que fogem da miséria intelectual brasileira. É tão pouco e tão irrelevante o que Bolsonaro tem a dizer que, não raro, encontro pessoas que se perguntam e me perguntam: “Como foi que fizemos isso?” E o “isso” é justamente a eleição do dito-cujo. Bem, já dei as minhas explicações muitas vezes.
A “live” desta terça era o pensamento político do Tio do Churrasco. Aí ele emendou: “Não somos contra imigrantes, mas, para entrar no Brasil, tem que ter um critério bastante rigoroso. Caso contrário, no que depender de mim, não entrarão.”
É verdade, tiozão! Há milhões de pessoas querendo se aproveitar das oportunidades que esta terra oferece aos forasteiros… Parece piada. Quase três milhões de venezuelanos deixaram o seu país. Pouco mais de 50 mil escolheram o Brasil como destino final. Os miseráveis do mundo nos esnobam, mas Bolsonaro finge acreditar que todos querem tirar uma casquinha de nossa ginga e se aproveitar de nosso paraíso de 63 mil homicídios por ano.
Não sei se ele próprio acredita nisso. Mas há os trouxas que acreditam. Até porque, não é?, nosso flerte com o abismo não se dará por descrença.


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