segunda-feira, 24 de junho de 2019

VILLA NO ESTADÃO

O impasse de Marco Antonio Villa
Morris Kachani
18 de junho de 2019 | 19h22

“Acho que eu fui meio, não vou dizer tolo, mas ingênuo, acreditando que a auto-organização da sociedade civil fosse possível em um país que não tem tradição nisso. Diferente por exemplo, dos EUA, e de alguns países da Europa ocidental; eu imaginei que a mobilização em torno do impeachment e da prisão do Lula produzisse uma organização futura, democrática, republicana, e isso não ocorreu. Aquilo acabou gerando pequenos grupos, grupelhos de extrema-direita, que passaram a negar o processo democrático, negar a Constituição, negar as instituições do Estado Democrático de Direito”.


Foto: Reprodução/Facebook

O professor e historiador Marco Antonio Villa foi um dos protagonistas do movimento anti-petista que levou milhares de pessoas às ruas entre 2015 e 2016, precedendo o impeachment de Dilma. Tornou-se célebre também, o bate-boca que travou com o ex-prefeito Fernando Haddad em 2016.
Sempre pelas ondas da rádio Jovem Pan, Villa incorporou a voz dos insatisfeitos. Pois mudaram-se os governos, mas não o tom crítico e raivoso de Villa. Algo que, ao que tudo indica, lhe valeu um afastamento temporário do emprego. Villa foi comunicado no dia 24 de maio. Primeiramente, a Jovem Pan falou em férias. Mas ele próprio desmentiu. Aguarda-se um desfecho para os próximos dias.
Villa parece estar experimentando na pele: a verve que o alçou ao sucesso, agora o alvejou.
O impasse profissional que está vivendo é um reflexo da cisão que houve justamente, entre a imensa maioria anti-petista que levou Bolsonaro ao Palácio do Planalto. A certa altura, correu o boato de que o próprio presidente havia pedido sua cabeça.
Goste-se ou não, é importante ouvir o Villa. Ele tem uma trajetória de respeito. Mestre em sociologia e doutor em história social pela Universidade de São Paulo, é professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos e autor de 19 livros sobre história e política do Brasil.

Você votou no Bolsonaro?
Não, não votei em ninguém. Anulei meu voto. Meu voto tinha um limite de tolerância. Não tinha condições. É muito chato porque a minha geração lutou muito por eleições diretas para presidente. Dá uma dor no coração quando eu sou obrigado a anular um voto. O problema é que a conjuntura não era muito propícia.
Muitos não entenderam minhas críticas ao governo Lula – elas eram políticas, e não pessoais. Quando comecei a fazer críticas em relação ao governo Bolsonaro, estas pessoas falaram, “pô, estamos decepcionados”. Mas outros entendem meu posicionamento.
O Bolsonaro nunca leu um livro. Eu desafio o Bolsonaro a falar que leu um livro de algum liberal. Se falar em Stuart Mill, ele já acha que é algum travesti. Ele não tem a mínima ideia, nós estamos numa coisa assim, pavorosa.
Quando comecei a fazer críticas a Bolsonaro, muitas pessoas se decepcionaram.

Acha que tem muita gente arrependida por ter votado em Bolsonaro?
Tem, falo com muita gente, grupos de empresários, e as pessoas falam, “estamos arrependidos, mas íamos votar no Haddad?”. Alguns falam assim, “não esperava que ele fosse tão ruim” e outros, “esperava que os militares controlassem o presidente”. As pessoas estão decepcionadas.

Comente a frase “eu sou liberal na economia e conservador nos costumes”.
Tem uma ideia babaca no Brasil de liberalismo. Aqui não existe liberalismo coisa alguma. Se há alguma coisa que a burguesia brasileira não é, é liberal. Política e economicamente. É tudo balela; primeiro, porque ela apoiou todas as ditaduras. Segundo porque, em termos econômicos, quer sempre benesses do Estado. Por exemplo, sobre a renúncia fiscal, ela tem 300 bilhões de reais por ano da União. Então o que eles falam, fazem, é tudo conversa fiada. Basta ver o que é a Fiesp.
A Fiesp tem sindicatos fantasmas. Boa parte dos sindicatos da Fiesp não existe, a Fiesp teve vários presidentes que não eram industriais. A maior parte da elite empresarial do Brasil é picareta. Pega o exemplo desses movimentos, como o Brasil 200, ou o dono da loja Havan – que é um louco, um desequilibrado, um incapaz, um mentiroso.
Os liberais daqui são todos liberais de fancaria. É tudo papo. No campo político idem. Eu gosto muito da expressão que eles usam agora: ‘eu sou liberal na economia e conservador nos costumes’; acho isso fantástico. Acho que isso é maravilhoso. O Bolsonaro pode dizer isso aí, já casou três vezes. Ele é conservador nos costumes.
Então é tudo picaretagem. É que não tem uma oposição, o PT se desmoralizou.

Que luz existe no fim do túnel?
Até agora nenhuma. Porque o PT roubou até o trem e os trilhos. Então, a coisa toda é que não há oposição. Nós estamos vivendo um momento único na história brasileira, único na história republicana. É como se você estivesse sem bússola em alto mar e não pudesse olhar o céu em busca das estrelas. Somos como um navio perdido no meio do oceano e não sabemos para onde vamos.
O governo não tem projeto de governo, só fala de reforma da previdência como se fosse uma monomania religiosa. Sem conseguir trazer uma visão macro da economia. Construiu-se uma ideia de que sem a reforma o Brasil acaba, o que é mentira. Não é que não precisa ter reforma, mas precisa equilibrar a questão fiscal com a questão social. 
BPC é de privilegiado? PIS? Aposentadoria Rural? E transformaram o Paulo Guedes em um gênio da raça, o que não é verdade. Paulo Guedes nunca escreveu um livro. Não tem um ensaio, um artigo, um debate no qual ele tenha participado nos últimos 30 anos.
Transformaram o Paulo Guedes em um gênio da raça, o que não é verdade.
Paulo Guedes, em alguns momentos, lembra um pouco o Pacheco do Eça de Queiroz, lá da correspondência inédita do Fradique Mendes. Ele tem alguma coisa, algumas características pachequianas, porque ele é um profissional do mercado financeiro. Um especulador. Ficou rico, ganhou muito dinheiro, parabéns, nada contra, mas é só um especulador.
A grande questão é que se tem um governo que não sabe para onde vai o Brasil. A educação está abandonada, com dois ministros desastrosos; em Ciência e Tecnologia, o astronauta tá no espaço, enquanto o Brasil discute a questão do corte de bolsas. Tem o capitão da infraestrutura, o Tarcísio. De resto é tudo patético: é Damares, Ernesto Araújo…
Entrevistamos o professor de Harvard Steven Levitsky, co-autor de “Como as democracias morrem” (Zahar). Ele comentou que o Brasil vive a pior recessão da sua história e o maior escândalo de corrupção entre as democracias.
Desde sempre, e fui processado por isso, insisti muito que o réu oculto do Mensalão era Lula. E que o petrolão é o maior desvio de recursos públicos da história da humanidade. Então de um lado você tem isso, o PT desmoralizou as instituições e o estado democrático.
E hoje vivemos este extremismo de direita que ninguém imaginava que existia no Brasil – porque isso aí é uma coisa recente, tem cerca de dois anos, três anos. Ninguém imaginava que existia um extremismo de direita tão violento no Brasil, tão reacionário, que não é nem liberal nem conservador. É reacionário. Algo que apareceu nos últimos tempos, e é produto da desmoralização das instituições feita pelo PT.
O PT ficou durante 13 anos e 5 meses no poder, e aí entrou o governo Temer, que poderia ter construído algo. Temer prometeu um Ministério de notáveis, mas entregou para Moreira Franco, Eliseu Padilha, Geddel. Então o governo Temer acabou aprofundando, em termos éticos, essa crise construída pelo PT.
A questão é que, quando chegou o processo eleitoral de 2018, veio a figura do Bolsonaro, que conseguiu se mobilizar como única alternativa contra o PT. Porque o PT, apesar de toda a desmoralização, eleitoralmente estava presente, tanto que chegou ao segundo turno com cerca de 45% dos votos, e com Fernando Haddad que é um candidato fraquíssimo. Um candidato forte, evidentemente, teria sido o Lula.
Então o que acabou acontecendo: surgiu uma extrema-direita raivosa, anti-democrática, que sonha com ditadura e que se configura na figura do Bolsonaro, que é um nada.
Bolsonaro não consegue nem organizar esse pensamento da extrema-direita.

O professor de Harvard também comentou que tanto o impeachment como a prisão do Lula enfraqueceram a democracia.
Eu acho o contrário, está redondamente errado. Em termos analíticos, o impeachment foi muito importante. A prisão do Lula simbolicamente foi muito importante para o país, fortaleceu a democracia, porém acho que eu fui meio, não vou dizer tolo, mas ingênuo, acreditando que a sociedade, que a auto-organização da sociedade civil fosse possível em um país que não tem tradição, diferente por exemplo, dos EUA, e de alguns países da Europa ocidental, eu imaginei que a mobilização em torno do impeachment e da prisão do Lula, produzissem uma organização futura, democrática, republicana, e isso não ocorreu. Aquilo acabou gerando pequenos grupos, grupelhos de extrema-direita, que passaram a negar o processo democrático, negar a constituição, negar as instituições do Estado Democrático de Direito.

Você se arrepende de algo?
Pelo que estou falando agora de coisas mais estruturais do meu posicionamento, eu não me arrependo de nada.

Você é um cara de direita?
Nem de direita, nem de centro, nem de esquerda. Eu sou republicano, radical republicano, se fosse possível definir. 
Não sou de direita, nem de centro, nem de esquerda.
É difícil chamar o Lula de esquerda. O Lula, eu brinquei outro dia, nem conhece o Marx, por exemplo. O Lula acha que o Marx é um senhor português que tem um boteco em frente ao sindicato de São Bernardo, que é o Marques com Q-U-E-S. Chamar o PT de esquerda é uma piada no sentido clássico europeu, é nada. E chamar o PSDB de social-democrata, no sentido alemão por exemplo, ou inglês, também não é.
Aqui, a esquerda, o centro, a direita… Não tem. Então eu prefiro ficar no campo republicano, do respeito, da ética, da coisa pública, de ter um projeto nacional, de acreditar que existem condições concretas de ter um crescimento com medidas ousadas.

Como que medidas ousadas, por exemplo?
No Brasil, muito pouca coisa.
O que nós temos hoje, é que apesar de toda a precariedade, as instituições seguem funcionando. ‘Malemá’, mas vão funcionando.
As instituições seguem funcionando. ‘Malemá’, mas vão funcionando.

Tanta gente poderosa que nunca esteve presa como agora – isso é uma coisa que tem que ser ressaltada.
Mas é difícil você falar em termos da estrutura política. Teve essa grande renovação, mas será que ela significou uma melhora da qualidade da gestão?
Vamos pegar o Rio de Janeiro, por exemplo: é assustador. O caso do governador do Rio: é um desequilibrado. Nós temos gestores nos Estados, na maior parte dos Estados, de péssima qualidade. Assembléias legislativas horrorosas.
Na Câmara dos Deputados houve uma mudança bastante significativa, mas em termos de qualidade é uma situação desesperadora. Nós perdemos o norte, não sabemos por onde caminhar.
Há um mau humor no país, uma irritação muito grande, que a elite política mal consegue dar conta, com 1/4 da população ativa desempregada – e é bom lembrar que nestes 14 milhões, você tem a geração nem-nem (nem trabalha e nem estuda) que é uma bomba para daqui 20 ou 30 anos.
Borbulha a tensão nas regiões metropolitanas, que nós não conhecemos. Hoje, no século 21, nós não temos explicadores do Brasil como tivemos no século 20; um Sérgio Buarque de Holanda ou um Gilberto Freyre para explicar, por exemplo, as regiões metropolitanas. É uma loucura, São Paulo, Rio, BH, Recife, Fortaleza, Porto Alegre. A tensão que tem nessas enormes regiões metropolitanas, onde você não tem tratamento de água e esgoto, onde há muita violência, onde não há escola, as pessoas têm medo de ir à escola, a presença do aparelho de Estado, quando existe, é através da polícia. São regiões em que há muita tensão.

A impressão que dá é que o Brasil, usando uma imagem gasta, é um barril de pólvora a ponto de explodir.
Muita gente que não está inserida no mercado de trabalho, gente que tem mais de 40 anos e nunca teve um trabalho formal. Não dá para dar um panorama otimista frente ao que estou vendo. Não há articulação no campo político que consiga compreender esta situação, analisá-la e construir alternativas e saídas para isso. Não há interlocutores. O PT em certo momento lá nos anos 80 queria ser o interlocutor das classes populares. Hoje no século 21 é uma piada achar que o PT faz isso. Só que não tem ninguém no lugar do PT, nem no campo à direita.
As universidades poderiam estar colaborando muito para o Brasil, mas elas se omitiram no processo de impeachment, falaram pouco e quando falaram era bobagem. No processo eleitoral de 2018, a participação foi pífia, e agora as universidades, apesar de todos os problemas em relação ao corte de verbas, não oferecem uma participação analítica do que está ocorrendo no país.
Porque é uma coisa difícil de entender, esse Brasil de hoje. Nós nunca tivemos tanto debate político como agora, mas nunca o debate político foi tão pobre, paradoxalmente. Nunca se gostou tanto de política como agora, é verdade, mas nunca o debate político foi tão primário como o que nós vivemos; então é interessante.

Você gosta do Partido Novo?
O interessante do Partido Novo é que eles têm um projeto, e eles têm linhas de pensamento que pretendem adotar nas gestões municipais, estaduais e do governo federal, e da ação política no Parlamento. Eu acho legal, isso é bom, isso é positivo. É legal essa disciplina partidária.
Acho que é saudável nesse sentido, sem entrar no mérito das ideias econômicas que eles defendem, mas ao menos tem uma coerência, tem uma ação organizada com muitos poucos parlamentares, o que mostra uma coisa que eu sempre falo: não precisa ter muito parlamentares, são 513 na Câmara. Se você tiver um 10, 15 que queiram ter uma atuação organizada, você faz barulho.

E o Ciro?
O Ciro Gomes tem um problema terrível que é a instabilidade emocional, que faz com que ele entre em certas divididas, usando as metáforas futebolísticas, que são desnecessárias. Então eu tenho a impressão de que as condições são todas colocadas para o Ciro, ou para alguém mais combativo, e que tem algo a dizer; a bola é cruzada na área. É só chegar e bater. Mas ele não consegue bater, ou ele joga por cima, fazendo uma coisa incrível, ou ele fura, dá uma grande furada. Então o que acontece é que a bola continua circulando, e quem é que pode utilizar, quem é que pode tentar fazer o gol?

E o Centrão?
Aí aparece uma figura exótica, que são os pernas de pau, mas que estão ali, jogando, como outros tantos, que é o Centrão.
Na medida em que há uma ausência de centro-esquerda e de centro-direita no debate político brasileiro, o Centrão, que é difícil de ser definido ideologicamente, é que acaba se posiciona como oposição. Incrível isso. Nós vivemos num momento de um vazio de debate político-ideológico. O governo não consegue se construir em termos políticos e ideológicos. Esse governo é o que? É liberal? É conservador? Em alguns momentos ele é reacionário, que não tem nada a ver com liberal e com conservador. Pra você ver, o Centrão acabou virando oposição.
Incrível isso. O Centrão acabou virando oposição

Você teve um momento entre 2015 e 2016 em que se tornou mais conhecido pelos ataques ao PT.
Eu sempre segui minha leitura de que o PT ia ser um desastre para o país. Quando veio o governo Temer, ainda na transição e depois no início de 2017, eu cheguei até a participar de algumas reuniões. Eu não ia lá para ganhar nada e nem tinha nenhum interesse pecuniário de fazer negócios com o Estado, de prestar serviço, nada disso, eu continuava fazendo todas as minhas coisas, eu ia lá e falava que eu tô falando para você, como eu falo em qualquer lugar minhas opiniões e sugestões ao governo.
Mas resolvi não participar mais daquilo quando veio o escândalo JBS. Foi um impacto.

O que dá para ser dito sobre esse episódio da Jovem Pan?
A grande questão é que eu fiquei muito triste com isso, achei um ato desleal, e claro que eu tô pensando o que eu vou fazer daqui para frente, mas dei uma resposta ao menos para o meu público. Quando eu digo ‘meu público’ é muita pretensão, mas já passei dos 117.000 inscritos em duas semanas de canal no YouTube e ainda nem fiz grandes campanhas. Estou fazendo em média cinco vídeos por dia.

Foram quantos anos na Jovem Pan?
4 anos e meio. Muita gente telefonou, protestou com meu afastamento. No meu caso a repercussão foi fabulosa. Eles não esperavam. Não vamos nomear, mas outros que saíram, não aconteceu nenhuma repercussão. Recebi milhares de apoios, recebi telefonemas de prefeitos, governadores, deputados, de dois ministros do STF.

Qual acha que foi o estopim?
Não foi a primeira vez que me falaram que eu precisava tirar férias. Parece meio a União Soviética.
Acho que foi pelo conjunto. Não foi a primeira vez que me falaram que eu precisava tirar férias. Nos últimos três meses, isso era sistemático. Parece meio a União Soviética. Na União Soviética quando alguém sumia, oficialmente era ‘desaparecido’, era ‘forte gripe’. Eu fui ‘readequação administrativa’, que é o que está escrito na carta de afastamento temporário que recebi. Fiquei muito puto da vida, achei uma deslealdade com todo trabalho, com toda a seriedade que eu sempre levei ao serviço. Essa questão de não faltar, de estar presente. Eu acordava sempre às 4 da manhã, lia todos os jornais, os sites, entrava ligado no ar. Saía morto, em condições lamentáveis. Cheguei a fazer coberturas contínuas com quase 16 horas no ar, como no episódio em que o Lula foi preso. E naquele dia, o canal da Jovem Pan teve 12 milhões de visualizações. Agora nas eleições fiquei 11 horas consecutivos no ar, nem ao banheiro eu fui, de tão ligado que estava. Eu tenho compromisso com quem me ouve.

ESTADÃO.

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