Direito básico de ir e vir
Arlindo, indignado, bateu no vidro do motorista e disse:
— O senhor deveria respeitar a faixa de pedestre.
Maldonado, motorista da Land Rover esverdeada parada em cima da faixa, ficou mais indignado do que o Arlindo. Afinal, como aquele macaco tinha a ousadia de se achar um pedestre com direito a faixa?
Era o que pensava, pouco antes de fazer o vidro janela deslizar elegantemente e esticar o braço para fora. Na mão segurava uma pistola automática prateada que reluziu ao sol das três da tarde.
Atirou três vezes para o alto e gritou, vendo Arlindo e outras pessoas, sair em disparada atropelando-se uns aos outros:
— Não gostou, negão filho-da-puta, volta pra África, que agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.
Calçada privatizada
— De uns tempos para cá, ficou impossível andar pelas calçadas…
Para passar em frente a loja precisava andar pela rua, disputando espaço com os carros em alta velocidade.
Seu primeiro pensamento foi riscar o carro, como vingança pelo abuso. Não teve coragem, achou que alguém poderia ver. Então, decidiu protestar com o manobrista:
— vai deixar o carro atrapalhando a passagem dos pedestres?
Disse ele, em tom cordial para não comprar briga.
— São ordens, meu amigo, só estou cumprindo ordens. Quer falar com meu patrão?
— Quero sim...
Disse Leandro, decidido.
O patrão, um homem alto, quase dois metros de altura, usava uma bota preta até os joelhos, chapéu de couro e ostentava um bigode grosso, muito preto, visivelmente pintado. Chegou bem perto de Leandro, quase o empurrando da calçada. Olhou para o empregado e perguntou, desdenhoso:
— É esse viadinho com camisa de comunista que quer falar comigo?
— Esse mesmo,
disse o empregado, meio constrangido, meio achando graça.
O homem gigante levantou a barra da camisa, de modo que pudesse expor o cabo de seu revólver e disse em tom ameaçador:
— O que você quer?
— O senhor não tem o direito de estacionar seus carros em cima da calçada, isso atrapalha a livre circulação das pessoas,
— não tenho direito,
repetiu o homem, fixando seu olhar em Leandro ao mesmo tempo em que o empurrava para fora da calçada.
— Direito é o caralho, viadinho comunista. Quer seus direitos vai cobrar no cu da sua mãe.
Virou as costas e entrou na loja gritando:
— Úuuuuraaaaaaa, agora é Bolsonaro.
Tem um tempo para fala de Cristo?
— Caralho.
Pensou irritado e virou-se para o lado, acreditando que se fingisse não ter ouvido, desistiriam. Não desistiram. Ainda ficaram mais intensas as palmas.
Levantou-se mais irritado ainda e caminhou gritando:
— Já vou, caralho. Vai tiraropaidaforca? Putaqueopariu.
Dá janela, olhou discretamente a calçada e viu um negão em pé com uma bíblia embaixo do braço.
Retornou ao quarto, pegou o ferro, voltou, abriu a janela e gritou o mais alto que pôde:
— Vai acordar teu pai, negão comunista filhodaputa,
e deu três tiros para cima, gritando:
— agora é Bolsonaro, seus escrotos do caralho.
A Ética do macaco que senta no próprio rabo.
Amanda entrou no carro do noivo, sem saber exatamente para onde iriam.
Vamos dar uma volta.
Amanda entrou no Camaro amarelo, colocou o cinto de segurança, enquanto isso, o noivo pegou um saco de ráfia e colocou no porta malas.
Entrou no carro e acelerou.
Passando entre as ruas tranquilas da UFPB, parou o carro, desceu, tirou o saco do porta malas e jogou embaixo de uma árvore. Ao lado tinha uma placa: abandonar animais no Campus da universidade é crime.
— O que foi isso,
perguntou Amanda, quando o noivo voltou ao carro.
— Nada não.
O estrago estava feito.
— Se eu engordar ou quando ficar velha, vai me enfiar em um saco e abandonar na rua?
Disse e fechou a cara.
Antes de voltar para casa, o noivo ou ex-noivo, parou no comitê eleitoral do candidato à presidência, pediu um adesivo e colou no vidro traseiro: a farra vai acabar.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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