"NHÁ CHICA E NHÔ ROMÃO"
Esta é uma história real que meu saudoso pai nos contava e a qual passarei aqui de acordo com o que entendi.
Conheci o casal.
Residia numa casa de pau a pique num lugarzinho até bem bonitinho do Sítio Bom Retiro, de propriedade dos Válio.
Nhá Chica que cuidava do imenso jardim cheio de multicoloridas dálias, palmas e rosas perfumadas; ao lado da casinha, um monjolo construído por meu pai, o qual socava dia e noite.
Uma beleza de monjolo!
O casal?
Mulher santa, a Nhá Chica.
Santa nada!
Não existe santa!
Acho que só no altar.
É porque aí ela não tem jeito de dobrar as canelas...
A dor do reumatismo fez Nhô Romão passar uma canecada de álcool na perna e depois esquentar o espírito de vinho com um tição de fogo.
Malvado tição!
Labaredar-se numa hora dessas...
Putz...
Acendeu tudo na perna do Nhô Romão! Cruz credo! Que coisa bárbara! Vai encoscorar as canelas do coitado.
Tição desgranhento! A té um pedaço da ala esquerda das calças foi comido pelas labaredas.
Nhô Romão pôs-se de cama com o pernão assado, pendurado por uma porção de dias.
Nhá Chica aproveitou-se.
É óbvio que tudo deu certo para isso.
Apareceu, uns dias após o acidente, à porta de sua casa, um indivíduo de nome Aparício, morador de um bairro conhecido.
Aparício pediu um copo de água, perguntando logo pelo Nhô Romão.
Nhá Chica deu-lhe a água e contou tudo o que acontecera.
E então ele entra, senta-se à cozinha.
Ela serve um café, reclamando da solidão.
Está carente, a coitadinha!
Ele, marreco velho, mostra-se condoído. e por ali fica. Traz a ela um pouco de lenha.
A tarde vai tombando sobre os velhos laranjais.
No espigão da invernada, uma perdiz dá o toque de beleza no crepúsculo prestes a transpor o limiar da portinhola da casa do joão de barro.
Parece que vai cair um temporal.
Pia um chico lorê. Êta pássaro para adivinhar chuva...
A noite e a chuva aos poucos vão banhando o chão esturricado do morro.
Nhá Chica convida Aparício para um pouso.
Ele aceita.
Ela quebra uns ovos, principia a batida, vai espumando as claras, suspira-se.
Daí, as gemas, a cebolinha, uma pitada de sal...
A mãozinha da Nhá Chica não cansa. Umas rodelas de cebola.
Nhô Romão pergunta lá do quarto:
- "Quem tá aí, Chiquinha?"
- " É o Aparício Jacu..".
- "Ah... Já tá pronta a janta?"
- "Farta só mexê o virado."
Nhá Chica era caprichosa para preparar um virado. Só o fazia depois que o feijão fosse lavado e escorrido todo o caldo. Ficava parecendo grão de amendoim torrado. Aí, então, ela despejava na gordura alhoada e acebolada.
A primeira pratada foi pro Nhô Romão.
- "Mecê tire, Aparício".
- Vô comê só um pouquinho".
Caboclo sabido!
Fazia bem uns dois dias que não sabia o que era comer uma comida boa como aquela.
Só bebendo pinga e comendo sanduiche de mortadela, e, isso, quando achava pão na venda.
A pança cheia de virado e ovo batido, depois um canecão de água completando a refeição. Uma caneca de café requentado e um ar de quem queria ir embora, porque terminava o dia para o andejante.
- "Não, mecê fique posando aqui"...
- "Pois eu vô aceitá, dona Chica..."
Foi ao quarto do Nhô Romão, bateu um papo e espreguiçou-se. Era a manifestação de quem queria dormir.
Nhá Chica já fazia o leito para o Aparício em cima de uma cama de paus roliços trançados com cipó.
O colchão de palha de milho barulhava sob as mãos da hospedeira que o amaciava.
Morto de canseira e barriga cheia, não demorou o Aparício pegar no sono.
Mas no outro quarto, Nhá Chica não conseguia dormir. Olhava a cara do velho reumático, roncando que nem porco fazendo a sesta...
- " Que nada! Vou pra lá".
E foi mesmo.
Cutucou o Aparício. Este, acordou sobressaltado. Não era pra menos.
- "Dá um lugarzinho aí..."
Só faltava isso!
Era a paga.
Até Nhô Romão ficar bom, o Aparício e a Nhá Chica iam se divertir um bocado!
LUIZA VÁLIO
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