Eu vi a pedra chorar, mano velho.
Vi a dor
brandir um grito grave
no duro desespero
do seu olhar estático.
Vi uma linha de sangue fina
escrever
uma história cruel
na ferida
do seu flanco mutilado.
Eu vi a lágrima da pedra deslizar,
num clamor estrondoso,
pelas bordas
do seu grande nariz desolado.
Vi uma magra relva
de cabelos ralos
se agarrando
empedernidos
aos resíduos
da sua cabeça fendida.
Sim, a pedra chorava:
sua fronte declinada
esculpia,
sobre o suporte furta-cor do céu,
um gesto de tristeza.
No vão do seu olho vazado
ecoava uma litania
gritada
por um coral lúgubre
no estertor do poente.
Eu não pensava, mano, que veria
um dia
uma pedra chorar.
Menino ainda, ouvi
a mata em pânico
carpir seus troncos decapitados
encarapitados
em carretas acorrentadas
que levavam pra além-mar
uma floresta atlântica.
Vi rios agonizarem
choramingando
por leitos desviados.
Vi córregos
magros e sujos
se arrastando, minguados
feito esgotos ignotos,
pelos desvãos das cidades.
Vi fontes fartas e férteis
sucumbirem sedentas.
Vi onças-pintadas
perdidas,
errando, cegas de sol,
por desertos de solidão.
Vi macacos e macucos
macambúzios, soturnos, fugidios.
Ouvi o silêncio pungente
da terra nua e
o lamento do vento
a esculpir na areia o seu cantochão.
Vi um bando cigano
de meninos famintos
tentando achar,
com olhos baços
com unhas crassas,
uma fresta de alegria
uma nesga de pão
na floresta de vidro e cimento
que veste, agreste,
a cidade árida.
Eu vi, mano, o homem chorar.
Escutei o grito universal
do gênero.
Provei, com o escasso paladar
do olhar,
a lágrima da guerra e da inanição.
Cultivei, na fechada floresta
do meu território animal,
a dor fundamental
da condição humana.
Agora, eu vejo a pedra chorar
e choro uma dor
que eu não sei
se é a dor da pedra.
Mas choro solidário,
no ventre da tarde
no dorso do vento,
um pranto duro e rude
que brota de fundas escarpas
além da carne e da alma.
Choro, mano, agora,
ao pé desta pedra depredada,
lágrimas densas, ardentes, escuras
lágrimas que fendem
a terra gasta
lágrimas de magma
que se misturam
ao pranto da pedra
e vazam das mãos da tarde
sobre os cabelos da noite.
Choramos, então, eu e a pedra,
essa dor comum
que é, também, a dor da água
a dor do pássaro
a dor da árvore solitária sobre a serra
a dor do vento
a dor do vale vazio
a dor da Terra.
Gilson Soares / via Paulo Martins/ via Vera Hirschmann.
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