25/02/2012 | EDITORIAL DO JORNAL CRUZEIRO DO SUL
O dia em que furtaram nossa história
Foi preciso que um bando de ladrões, aparentemente cultos e bem informados, ensinasse o valor da Cultura e da História para as autoridades sorocabanas.
O furto de parte substancial do "acervo técnico" de três museus sorocabanos, noticiado com exclusividade para os leitores do Cruzeiro do Sul pelo repórter Giuliano Bonamin ("Dia de luto - Furto de acervo dá um duro golpe na história local", págs. A6 e A7), é uma vergonha para Sorocaba diante do Brasil e do mundo, e não pelo delito propriamente, mas pela forma descuidada com que centenas de objetos raríssimos foram deixados num galpão sem vigilância noturna, em caixas de papelão e armários desprotegidos, perto de um depósito de areia e nas mesmas dependências de um prédio que passa por obras de reforma.
Constituir um acervo histórico digno de figurar em um museu é algo que exige tempo, dedicação e amor. Cada objeto poupado à ação das décadas e dos séculos é fruto da reverência de uma ou mais pessoas pela história de sua terra e de seus antepassados. Cada peça arqueológica - como as urnas funerárias indígenas, resquícios da rica pré-história desta região - só existe porque pesquisadores esforçados se põem a procurar, a cavar, a juntar fragmentos, a montar esses quebra-cabeças que só raramente vêm a lume, e que, de tão importantes, constituem patrimônios do povo brasileiro.
A perda dos objetos, da forma como foram perdidos, foi um golpe difícil de assimilar para milhares de cidadãos comuns e pesquisadores, que doaram pertences de família e o fruto de seu trabalho aos museus locais, na confiança de que o poder público teria interesse em preservá-los e expô-los para contar às novas gerações a história de sua gente. É um golpe traumático, também, na principal marca publicitária do governo municipal ("cidade educadora"), posto que sintomática dessa miopia política que só permite aos homens públicos ver o que está próximo e o que é imediato, mas os impede de enxergar o todo, a Cultura com "c" maiúsculo que permanece desprezada em meio a uma agenda de eventos populares e "projetos".
O furto da memória sorocabana é o clímax de uma política cultural distorcida, que condenou ao abandono o Casarão do Brigadeiro Tobias - invadido e depredado várias vezes nos últimos anos - e que investe pouco ou quase nada na ampliação e melhoria dos demais museus.
Reveladora dessa (falta de) visão é a afirmação do prefeito Vitor Lippi (PSDB) de que os objetos levados não têm "valor de mercado", e, por isso, não deveriam interessar a ladrões. Qualquer pessoa sabe que existe um mercado de antiguidades muito ativo, em que peças raras podem alcançar preços elevados. Pelo jeito, um erro de avaliação em relação ao "valor de mercado" do acervo foi determinante para que seu destino fosse selado. Fosse uma carga de tablets ou de bicicletas, talvez não tivesse sido deixada em um galpão isolado, longe de tudo e de todos, vigiada de dia por um funcionário e, de noite, por ninguém.
Lamentavelmente, foi preciso que um bando de ladrões, aparentemente cultos e bem informados, ensinasse o valor da Cultura e da História para as autoridades sorocabanas. Agora, como no ditado popular, tratam as autoridades de colocar tranca na porta, depois que o ladrão a arrombou e levou o que quis. Fala-se novamente em melhorar a segurança dos espaços culturais. Como não faltarão promessas, talvez se possa estudar - a sério, sem ironia - a criação de uma guarda para tomar conta dos próprios municipais, tarefa primária da Guarda Civil Municipal que esta corporação, hoje transformada em "Polícia Militar Municipal", não quer ou não consegue cumprir.
Para uma cidade que foi capaz de perder sua história, nada mais parece ridículo ou impossível. Sorocaba está de luto. Da grandiosa memória de sua gente, nunca se perdeu tanto e de uma só vez. A história lembrará para sempre destes dias, com um misto de dor e de vergonha.
Se o leitor tem alguma informação sobre os autores do furto ou o destino dos objetos furtados, ligue para 181 e ajude Sorocaba a recuperar ao menos uma parte de sua história perdida.
NÃO FOI SÓ SOROCABA QUE PERDEU.
A REGIÃO TODA FICA SEM MEMÓRIA.
E SE, POR ACASO, OS AUTORES DO FURTO FOREM SOROCABANOS, QUE SEJAM EXPULSOS DA CIDADE.
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