segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O QUE ESPERAR DA RAIVA GENERALIZADA CONTRA A CLASSE POLÍTICA?


Não é só no Brasil. Os eleitores da América Latina estão fartos de corrupção e serviços públicos ruins.
DANIEL KERNER E CHRISTOPHER GARMAN
23/07/2017 

(Foto: Manuel Velasquez/Anadolu Agency)

Os ventos políticos na América Latina mudaram sensivelmente nos últimos dois anos à medida que governos de esquerda perderam o poder para administrações mais conservadoras. A tendência começou com a eleição de Mauricio Macri na Argentina, que encerrou um longo reinado de 20 anos dos Kirchners. Estendeu-se pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016. A tendência provavelmente continuará no Chile no final deste ano. Mesmo onde as administrações de esquerda sobreviveram, como no Equador, a movimentação para políticas mais conservadoras e amigáveis aos investidores está clara.
Muitos concluíram que os eleitores estão rejeitando as políticas da esquerda, que levaram a grandes desequilíbrios fiscais e baixo crescimento nos últimos anos. Mas a verdadeira prova para mostrar se essa mudança é mesmo sustentável virá do pesado calendário eleitoral dos próximos meses. Argentina, Chile, Colômbia, México, Brasil e muito provavelmente a Venezuela vão encarar eleições. Com exceção do México, e talvez da Colômbia, a onda conservadora deve se manter. Mas isso não é porque o eleitorado esteja se mudando para a direita. Os eleitores estão é com raiva da classe política. Enquanto isso funcionou contra as administrações de esquerda nos últimos dois anos, os eleitores apoiaram mudanças. Isso também pode criar problemas para as agendas reformistas que começam a ganhar força na região.
O primeiro indicador de que os eleitores não estão felizes vem de um olhar rápido aos índices de aprovação na região. No Brasil, o presidente Temer tem índices baixos. O país está saindo de uma recessão e o governo é alvo de escândalos de corrupção. Mas o surpreendente é que Temer não está sozinho. O presidente Enrique Peña Nieto, do México, tem índices de aprovação de 12%, Michelle Bachelet, do Chile, fica com 20% e Juan Manuel Santos, da Colômbia, chega a 26%. Nenhum dos três países passou por crise econômica agora. Na Argentina, Macri ainda é popular, mas seu apoio vem caindo.
Se a desaceleração econômica ajuda a explicar parte do ódio, pesquisas nesses países também mostram que a corrupção está virando um tema cada vez mais relevante. E que os eleitores estão cada vez mais insatisfeitos com a qualidade dos serviços públicos, como segurança, educação e saúde. Mas junto com isso vem uma descrença crescente na classe política. Segundo um estudo global da Ipsos Public Affairs, os países latino-americanos têm índices de desconfiança e raiva dos políticos superiores aos dos Estados Unidos e da Europa.

A verdadeira questão é quais candidatos estão mais bem posicionados para surfar nesse ódio. Em geral, esperamos a subida de nomes do centro ou da direita. Mas isso tem menos a ver com as políticas que defendem e mais com a falta de candidatos viáveis da esquerda capazes de representar esses eleitores descontentes.
A exceção a esse cenário é o México. A desilusão dos eleitores com a corrupção e a violência no país deve corroer a popularidade de Peña Nieto. Isso vai impulsionar o candidato de esquerda Andres Manuel Lopez Obrador, que é o líder da corrida presidencial para 2018.
Na Argentina e no Brasil, as chances de um candidato de esquerda emergir em 2018 são menores, em grande medida por causa do dano reputacional provocado pelo final dos governos do PT e dos Kirchners. Mas o bom desempenho nas pesquisas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Cristina Kirchner sugerem que nem tudo está seguro.
Para a Argentina, o foco estará nas eleições parlamentares de outubro, com as primárias em agosto servindo de indicador importante dos prospectos para o governo. Com a mudança de paradigma econômico imposta por Macri, o governo busca crescimento econômico e baixa inflação para aumentar as chances de ganhar mais poder no congresso. Uma vitória dará ao governo mais margem para continuar com os ajustes. Mas, se Cristina ganhar as eleições para Buenos Aires – algo improvável, mas não impossível –, Macri se arrastará para uma segunda metade dramática do mandato, com incertezas para as eleições gerais de 2019. Os políticos interpretarão os resultados como rejeição aos ajustes de Macri.

No Brasil, a crise política é uma ameaça para Temer. Mas ele pode permanecer no cargo apesar dos perigos. O escândalo dificulta a aprovação até de uma versão esmaecida da reforma da Previdência. Mas sua principal consequência é aprofundar os sentimentos contra a classe política para as eleições de 2018. Isso torna essa eleição mais imprevisível. A condenação de Lula por Sergio Moro é um golpe contra sua candidatura, mas não está claro se ele estará impossibilitado de concorrer. Mesmo que possa, a rejeição alta significa que não será competitivo no segundo turno. A maior questão não é se Lula pode concorrer ou ganhar, mas qual candidato pode surgir como “antipolítico”. O prefeito de São Paulo, João Doria, pode servir. Mas outros candidatos podem emergir, não necessariamente alinhados com as reformas boas para o mercado.
No Chile, o ex-presidente Sebastián Piñera deve, aparentemente, vencer as eleições no fim do ano. Mas o ódio aos políticos pode puxar Alejandro Guiller, candidato independente mais à esquerda. Na Colômbia, o descontentamento com a corrupção pode abrir a porta para um candidato surpresa, principalmente se os escândalos envolvendo a Odebrecht desestabilizarem os candidatos de centro-direita.
Tudo isso sugere que as próximas eleições provavelmente não trarão de volta as políticas econômicas populistas da esquerda. É bom lembrar que a região provavelmente verá a queda do chavismo na Venezuela. Mas a questão importante é que os eleitores estão insatisfeitos com a corrupção, com o baixo crescimento e com os serviços públicos. E que a rejeição aos políticos não é equivalente a um movimento consistente rumo a escolhas econômicas associadas à direita.



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