Por: Reinaldo Azevedo
25/09/2017
Ah, sim: parece que, em certas áreas da imprensa do Rio, favela voltou a ser chamada de “favela”.
Como se sabe, naqueles doces anos cabralinos, em que as UPPs eram apresentadas como um milagre, e quase ninguém na imprensa ousava dizer o contrário, as ditas-cujas passaram a ter o epíteto de “comunidade”.
Acabou neste domingo a sétima edição do Rock in Rio.
Quem puxou o grito “Fora Temer” em algumas apresentações foram os artistas, não o público.
A imprensa deu visibilidade para os protestos “arranjados”, e o canal MultiShow, da Globosat, emprestava à coisa ares de quase revolução.
Fica assim provado ser verdadeira a frase: há mesmo gente que não aprende nada nem esquece nada.
Quiseram as circunstâncias, que têm história, que o grande evento se realizasse ao mesmo tempo em que se dá a “guerra na Rocinha”.
Aqui e ali, leem-se tolices cuja síntese poderia ser esta: “Enquanto a moçada pulava no Rock in Rio, o Brasil real entrava em guerra na favela…”
Por que é uma tolice?
Porque as duas coisas fazem parte do Brasil real. Ou, se quiserem, os dois países são reais. Em um deles, articulam-se com eficiência iniciativa privada e Estado; no outro, faltou o Estado oficial, e a iniciativa privada foi capturada pelo Estado paralelo do crime.
“Fora Temer”? É mesmo? Vamos ver.
“Ozartistas”, esse grupo que anseia ser, no Brasil, uma categoria de pensamento, leram as respectivas denúncias — a primeira e a segunda —, analisaram os indícios apresentados, procederam a um exame técnico e legal do material produzido pelo Ministério Público Federal?
Bem, as minhas perguntas são meramente retóricas. Todos conhecemos a resposta.
O “Fora Temer”, nas circunstâncias dadas, seria um golpe. Como aquele sonhado pelo general Hamilton Mourão.
Tanto ele como “ozartistas” creem em soluções radicais, rejeitam os instrumentos da democracia e do Estado de Direito e acham que, sob o império das leis que temos, não há solução. “Ozartistas”, em suma, são o general sem uniforme.
E o general é a versão “heavy metal” dos que rejeitam “tudo isso que está aí”.
Enquanto gritavam o mantra, mera adesão inercial a uma agenda ideológica que desconhecem, o pau comia na Rocinha. Foi o “Dentro Temer” que autorizou a intervenção do Exército, o que permitiu, diga-se, a realização do Rock in Rio, onde se gritou “Fora Temer”.
Até outro dia, note-se, “ozartistas” que ora vociferam boçalidades estavam inteiramente entregues à agenda de Sérgio Cabral.
Ou não fui o único na grande imprensa, ao longo dos anos, a lastimar a política de segurança pública do agora ex-governador amaldiçoado?
Nunca “ozartistas” perguntaram para onde iam os traficantes que, em tese, fugiam das “comunidades”, como se dizia em carioquês, ocupadas.
Nunca “ozartistas” perguntaram como era possível “pacificar” favelas sem prender os líderes do narcotráfico.
Nunca “ozartistas” perguntam como se operava a mágica de supostamente ocupar território do tráfico sem dar um tiro.
Ao contrário:, aquilo era considerado um milagre da “Cidade Maravilhosa”, sob gestão estadual não menos “maravilhosa” de Cabral.
Na campanha de 2010, Dilma prometeu levar o modelo de segurança do Rio para todo o Brasil.
Transcrevo um trecho do discurso daquela senhora:
------------ “A gente considera que o resultado da política aqui, dessa parceria do governo federal com o governo estadual, aqui, com o governador Sérgio Cabral, ela construiu uma referência no que se refere (!!!) à… No que se refere basicamente à… estruturação de uma política de segurança através das Unidades de Polícia Pacificadora. É transformar territórios em guerra em territórios de paz (…) Em muitos estados, não transferiram os chefes do crime organizado para as penitenciárias de segurança máxima. Aqui foi transferido. Os daqui estão em Catanduvas, Campo Grande e Mossoró. Com isso, o que é que acontece? Você tira do presídio os líderes e os cabeças e impede que os presídios sejam transformados em plataformas do crime (…)”
Onde estavam os que gritam, agora, “Fora Temer”, enquanto o Exército, por vontade de Temer, garante a segurança possível no Rio?
Bem, acho que estavam votando em Dilma.
Não custa lembrar a adesão dos veículos de comunicação do grupo Globo à política cabralina, não?
Um grupo de cariocas chegou a lançar um movimento para que José Mariano Beltrame, então secretário de Segurança, recebesse o Prêmio Nobel da Paz.
Por que lembrar isso tudo?
Em nome da responsabilidade.
O “Fantástico”, claro!, fez reportagens sobre o último dia do Rock in Rio.
Uma delas tratava dos R$ 150 milhões que o governo federal deve investir no ano que vem num calendário de 100 eventos nas áreas de cultura, turismo, esporte e negócios.
O conjunto deve atrair algo em torno de R$ 1 bilhão da iniciativa privada.
O objetivo é aumentar o fluxo de turistas, aumentando emprego e renda.
O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, estava presente ao encontro com empresários e políticos que tratou do assunto. Não teve fala sua no “Fantástico”.
O programa, aliás, também noticiou as ações do Exército na Rocinha e a tomada do “bunker” de um traficante.
Os ministros Raul Jungmann (Defesa) e Moreira Franco (Secretaria Geral) foram citados.
Nada de lhes dar a palavra.
Mas, é claro, ganhou destaque o “Fora Temer” durante apresentação de uma banda brasileira.
Ah, sim: parece que, em certas áreas da imprensa do Rio, favela voltou a ser chamada de “favela”.
Como se sabe, naqueles doces anos cabralinos, em que as UPPs eram apresentadas como um milagre, e quase ninguém na imprensa ousava dizer o contrário, as ditas-cujas passaram a ter o epíteto de “comunidade”.
O termo “favela” passou a ser considerado politicamente incorreto.
Não dá mais para esconder: aquela fantasia está desmoralizada, assim como o governo Cabral, e o Rio está na lona.
Então a comunidade” voltou a ser “favela”.
A propósito: queimar um baseado no Rock in Rio, cheirar uma carreira ou consumir uma “bala”, gíria para o ecstasy, são ações que põem metralhadoras e fuzis AK-47 nas mãos dos bandidos da Rocinha, que aterrorizam também os trabalhadores da Rocinha, que não têm dinheiro para ir ao Rock in Rio gritar “Fora Temer”.
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