O plenário do STF referendou nesta quarta-feira, 31, decisão liminar da ministra Cármen Lúcia, que reafirmou a livre manifestação de ideias em universidades.
A decisão se deu por unanimidade.
No último sábado, a ministra suspendeu efeitos de atos judiciais e administrativos que determinaram o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas a fim de coibir propaganda eleitoral irregular.
O pedido foi feito pela PGR.
Na sessão de hoje, a ministra lembrou a fala de Ulisses Guimarães, em 5 de outubro de 1988, “traidor da constituição é traidor da pátria” e destacou que “a má interpretação ou a agressão aos direitos fundamentais que formam o núcleo essencial da própria Constituição é uma forma de trair a Constituição e o próprio Brasil".
Para ela, impedir ou dificultar a manifestação plural de pensamento é “trancar a Universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores”.
“A única força legitimada a invadir as universidades é a das ideias livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse com falta de justificativa válida é tirana. E tirania é o exato contrário da democracia.”
A ADPF julgada pelo Spremo foi ajuizada pela procuradora-Geral da república, Raquel Dodge, contra decisões de juízes eleitorais que determinam a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes, proibiram aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política, impondo a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018, em universidades federais e estaduais.
As medidas teriam como embasamento jurídico a legislação eleitoral, no ponto em que veda a veiculação de propaganda de qualquer natureza (artigo 37 da lei 9.504/97).
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia destacou que a finalidade da norma que regulamenta a propaganda eleitoral e impõe proibição de alguns comportamentos em períodos especificados é impedir o abuso do poder econômico e político e preservar a igualdade entre os candidatos no processo.
Segundo ela, a vedação legalmente imposta tem finalidade específica.
Logo, o que não se contiver nos limites da finalidade de lisura do processo eleitoral e, diversamente, atingir a livre manifestação do cidadão não se afina com a teleologia da norma eleitoral, menos ainda com os princípios constitucionais garantidores da liberdade de pensamento, de manifestação, de informação, de aprender e ensinar.
"Como uma decisão judicial pode proibir aula que vai ocorrer ainda?"
O questionamento foi feito pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele frisou que a CF/88, no caso de liberdade de reunião, é muito clara: não exige autorização e sim prévia comunicação apenas para que as autoridades públicas possam garantir a segurança e mudar o trânsito quando necessário.
“Se um professor ou expositor quer falar sobre o fascismo, ou um professor quer falar sobre o comunismo, ou sobre o nazismo, ele tem o direito de falar e as pessoas têm o direito de escutar e realizar um juízo crítico e eventualmente repudiar aquilo que está sendo dito. Não é a autoridade pública que vai exercer um filtro absolutamente paternalista e antidemocrático.”
Para ele, os atos exorbitaram a legalidade e constitucionalidade, ferindo a liberdade de expressão, que garante o pluralismo político. “Mais grave ainda é ter feito isso dentro das universidades.”
O caso do canal criado pela deputada estadual de SC Ana Caroline Campagnolo (PSL) para denúncias contra "professores doutrinadores” foi lembrado pelo ministro Gilmar Mendes.
Ele destacou que “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, nos termos do artigo 206, pode ser violada não só por agentes estatais, mas também por agentes privados, via inclusive mensagens e publicações na internet como é o caso do incentivo de gravação das aulas daqueles que fizerem críticas políticos partidárias com o pedido de que os vídeos sejam enviados para um canal de denúncia, criado pela deputada estadual catarinense”.
Eu seu voto, Mendes ainda propôs que fosse expedida uma ordem à deputada no sentido de coibir eventuais violações à liberdade de manifestação.
A proposta, contudo, não foi aceita pela ministra Cármen Lúcia que afirmou preferir manter a liminar e não alargar o objeto da ação e notificar a deputada porque o caso dela não era objeto da ADPF ajuizada pela PGR.
O ministro Luís Roberto Barroso destacou que não se pode permitir, a pretexto do exercício de poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, que se restinga a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de crítica e liberdade acadêmica na universidade, sobretudo quando essas manifestações reafirmam preceitos fundamentais.
Barroso salientou ainda que é sempre oportuno o STF refletir sobre a liberdade de expressão uma vez que, "ainda e infelizmente", é uma tradição a interferência do Estado no exercício da liberdade de expressão.
Processo: ADPF 548
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