domingo, 26 de abril de 2020

A AMEAÇA DO GRANDE IRMÃO

1984 - 1ªED.(2007) - George Orwell - Livro

Raul Jungmann

No livro 1984, George Orwell, cria um personagem fictício, um ditador, O Grande Irmão, que controla a sociedade através de tele-telas, onde todos o veem e são por ele vistos – e controlados. A obra, publicada em 1949, é cada dia mais atual na era das redes, da inteligência artificial, do reconhecimento facial em massa, da internet 5G e, em breve, da computação quântica.
Nesse rumo, temos um novo e ameaçador capítulo em curso: a Medida Provisória 954, que determina às operadoras de telefonia o repasse dos dados pessoais de todos os brasileiros e brasileiras – nome, telefone e endereço, sejam pessoas físicas ou jurídicas, para fins de “estatística oficial” durante a pandemia do coronavírus.
De saída, a MP em questão desrespeita flagrantemente o artigo 5º, incisos X e XII da Constituição, donde sua inconstitucionalidade material. 
Secundariamente, sabe-se lá o que quer dizer ou venham a ser “estatísticas oficiais”! 
Imprecisão que pode encobrir qualquer tipo de pesquisas e sondagens. E mais: Não é exposta a finalidade das “estatísticas”, seu uso ou mesmo necessidade.
No artigo 2º são fixados três dias ao IBGE para a normatização da MP e sete para a entrega dos dados pelas operadoras. Ajusta-se que seja feito um relatório de impacto dos riscos do manuseio dos dados após a sua coleta, com base na Lei Geral de Proteção de Dados, quando esta estabelece que a avaliação de impacto seja prévia (Lei cuja vigência está prevista para agosto).
Por fim, a MP delibera que os dados coletados não sejam compartilhados e submetidos a sigilo, e que sejam destruídos “após o termino da atual pandemia”. Alguém sabe dizer quando e como isso ocorrerá? A Ordem dos Advogados do Brasil ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contrária a MP 954, idem vários partidos políticos.
Em boa hora, a ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu a eficácia da MP. E determinou que o IBGE se abstenha de requerer a disponibilização dos dados objeto da referida medida provisória e, caso já o tenha feito, que suste tal pedido, com imediata comunicação às operadoras de telefonia.
Não está em questão a competência e seriedade do IBGE que, em seus 86 anos de existência, tem consolidado o respeito e a confiança dos brasileiros. Mas, a viger essa MP, o direito à privacidade, assegurada pela Constituição, estaria ameaçado.
E vale lembrar que a Lei Geral de Proteção de Dados, acima citada, teve sua vigência adiada para janeiro de 2021 pelo Senado da República, idem o início de operações da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, fiscal da lei e da integridade dos dados dos brasileiros e empresas.

Capital Político.

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