sábado, 22 de dezembro de 2012

NATAL FELIZ

Ano ruim indo embora, graças a Deus.
Aconteceram muitas coisas.
Enumerá-las?
Não, não seria bom.
Sequelas, só sequelas...
Mas as lembranças teimam em vir e são enumeradas, mesmo que o homem sofra tudo de novo e de novo.
Os cistos na boca obrigaram a uma prótese.
O filho mais novo entregou-se ao infeliz mundo das drogas e escolheu morar nos becos da cidade.
A perna quebrada, talvez, para poupá-los de um encontro pelas sarjetas da vida.
E a morte de Quitéria que acabara por enlouquecer a pobre filha única, a Tilena, agora residente em um sanatório estadual.
As mãos enrugadas passando pelos cabelos, numa angústia no peito descoberto, sem saber como encontrar arrimo.
Teimando em vir-lhe à memória, ultimamente, a imagem do filho mais velho, a quem nunca dera um centavo, filho esse da primeira experiência sexual. 
Claro que numa imagem desenhada por ele mesmo, pois jamais vira o menino, hoje já adulto e formado.
Uns diziam que morava em Portugal com uma tia muito rica. Outros, que estudava Medicina. 
E aquele papel no bolso já incomodava o homem!
Automaticamente, recolhe nas mãos e lê novamente.
Em seguida, amassa e fica a olhá-lo sobre a mesa do bar defronte a sua casa.
Um inútil papel de despejo!
Despejar o que?
E o homem se põe a rir.
Quem vê pensa que é de felicidade!
O que mais pode fazer?
No bolso, a última moeda para um café.
Depois, com certeza, virá a morte, o ostracismo da vida nas ruas, talvez o encontro com o filho mais novo...
Ou pegaria uma carona e iria morar no mato feito índio ao lado de um regato e de umas bananeiras?
Mas quem daria carona a um octogenário?
Nessas conjecturas, não percebeu que o dia escurecia, que as luzes da cidade já se preparavam para festejar o último dia do ano.
Um coral de crianças passou ali pertinho cantando "Noite Feliz".
Reparou, já na calçada, que estava sendo seguido.
Apertou o pé da muleta, deus passos mais largos, a casa onde morava - ainda - a poucos metros dali...
Mas o carro chegava até ele.
- "Devia ser um louco qualquer" - ainda pensou.
O que quereriam com ele?
Não viu ninguém lá dentro.
Vidro fumê!
Pensou em Quitéria, pediu socorro à finada.
Ele que antes queria morrer!
Estranho isso!
O carro parou!
Parou junto o seu coração!
De dentro dele, um rapaz bonito e corado, uns dez anos, desconhecido, agarrava nas mãos uma surrada fotografia.
E olhando para aquele homem, sorrindo, sorrindo feliz, gritou:
- Vô, viemos buscar você!

- autora: Luiza Válio.

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