quarta-feira, 22 de maio de 2013

"A RÃ E O SABIÁ"

A noite começava a apagar, ao longe, com o seu manto escuro e pesado, a fogueira que o sol acendera nas nuvens do ocidente, quando o sabiá, que, de um galho baixo, - minúsculo Nero de penas, - acompanhara, cantando o incêndio daquela Roma intangível, percebeu que o chamavam:
- Psiu!... psiu!... Ó amigo!... Era você que estava cantando?
O sabiá virou o bico na direção do solo, e viu quem falava. Era a rã, o batráquio inchado e inofensivo, que, a gorja palpitante, parecia aguardar a resposta.
- Era eu mesmo; por que? - respondeu a ave, desconfiada.
A rã fez um arzinho de riso galhofeiro, e informou:
- Não é por nada. É que eu ouvi dizer que você era a garganta mais afinada, mais harmoniosa de toda a floresta. Mas estou vendo que me não disseram a verdade.
- Não é, acaso, da mesma opinião?
- Absolutamente. Eu própria, sabe? eu própria, canto melhor.
- Você - fez o sabiá, achando graça. - Você?
- Não ria, não, - tornou a rã; - eu canto melhor do que você. E se quiser, apostemos!
- Está fechada a aposta. Apostemos!
- Está fechada. Vamos escolher dez juízes, dez bichos insuspeitos, que terão de dar o veredito.
Durante dois dias trabalhou aquele pequeno mundo na escolha dos dez membros do Conselho de Sentença. E ao começo do terceiro, era anunciada a composição do juri, do qual faziam parte o canário, a graúna, o gaturamo, o japim, a pipira, o coleiro, o corrupião, o sapo e a tartaruga.
- Excelente!... pensou o sabiá, contente, ao verificar que a maior parte dos jurados era de aves canoras, que poderiam compreender, perfeitamente, a sua superioridade sobre o competidor.
À hora da prova, o sabiá empoleirou-se em um galho verde, que o vento balouçava, e começou a cantar. Cantou as matas natais, cantou o crepúsculo, cantou a saudade imensa, e profunda, da Natureza agonizante. Ao terminar, a rã coaxou monotonamente umas duas ou três vezes, e deu por findo o seu esforço. E quando se passou à apuração, o papagaio, que presidia à sessão, leu o resultado:
- A favor da rã, oito votos; e a favor do sabiá, dois.
E logo:
- Saiu vitoriosa a rã, por oito votos contra dois!
Todos baixaram a cabeça, constrangidos. À saída, conversava-se sobre o fato, ou, antes, sobre o escândalo, quando o sapo declarou, solene, as mãos na cava do colete:
- Eu, por mim, votei no sabiá!
- Eu, também! - confessou a tartaruga, enxugando o rosto com o lenço.
Todas as aves canoras haviam votado na rã.
Essa fábula, que veio, parece, embora com outros bichos, no "Punch", de Londres, contava-a à porta do Garnier, o grande Alberto de Oliveira, a um grupo de rapazes que amam os livros, quando o professor Rocha Pombo, que não ouve bem, se aproximou, e pediu:
- Como é, Alberto?
E a mão na concha da orelha, para escutar melhor:
- Como é essa história, que você estava contando sobre a candidatura dos poetas à Academia de Letras?

- In "Pombos de Maomé", de Humberto de Campos.

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