Quando a guerra terminou, os soldados brasileiros foram aclamados heróis
pela população das pequenas cidades italianas que ajudaram a libertar dos
alemães, no final da guerra. Para os italianos, os brasileiros eram os libertadores,
sendo disputados pelas moças e pelas famílias onde passavam, todos querendo
cumprimentá-los e convidá-los para mangiare ou beber um bom vino.
Depois das dificuldades enfrentadas, ser aclamado como herói, mesmo
que por uma pequena população de algumas cidades, representou muito para o s
oldado brasileiro, homens que haviam sido convocados e enviados para uma
terra distante, sem condições materiais nenhuma. Foram praticamente com a
roupa do corpo, e ainda enfrentaram pressões como a descrença de seu próprio p
aís e a incredulidade de soldados de outros países quando contavam que eram
de um país onde existia uma ditadura e que estavam lutando pela democracia.
Mesmo assim, cientes de que pouco representavam para um conflito mundial,
tiveram grande importância no âmbito que lutaram.
Com o fim da guerra confirmado, antes de receberem alguma notícia
sobre a volta, a maioria dos brasileiros aproveitou para realizar a última “tocha”
para conhecer a Itália e regiões da Europa. Viajavam “a base do dedo”, pegando
caronas e indo de um lugar a outro. A maioria quando voltou já recebeu a notícia
de que os brasileiros estavam acampados no sul da Itália aguardando o
embarque para o Brasil.
“Nossa bagagem constava de uma escova de dentes,
alguns maços de cigarros e pacotes de liras, nada mais. O resto era coragem e
muita vontade de conhecer <la bella Itália>.” “Assim é que, já nos primeiros
dias de maio de 1945, a farda verde-azeitona era vista, com surpresa, nos
extremos da Itália ou mesmo além: a 8 de maio, por exemplo, dia da vitória na
Europa, soldados brasileiros se encontravam “a passeio’, (...), em Veneza, em
Genova, em Nice, na França e mesmo no casino de Monte Carlo!”
A região onde os brasileiros ficaram acampados para aguardar a volta
ficava à 50Km da cidade de Nápoles e era a mais quente da Itália.
“Passara a
primavera e a soalheira inclemente do verão veio em breve castigar toda aquela
região. Com os dias, o trânsito intenso pelas ruas do acampamento produziu uma
poeira impalpável, que a mínima aragem levantava em nuvem sufocante.”
Neste acampamento, os homens se viram novamente por semanas na
ociosidade e na ansiedade para voltar para casa, retornar ao lar e rever a família.
A viagem de volta foi realizada por três navios norte-americanos e três
navios brasileiros, em várias etapas. As descrições sobre a viagem de volta são
muito diferentes da viagem de ida. Não havia mais o perigo de torpedeamentos
ou ataques aéreos, não importava mais o conforto ou a comida. Só um
pensamento assolava os homens, voltar para casa. Realmente, as descrições
pouco falam das instalações do navio ou da comida, já haviam cumprido sua m
issão e a única coisa que queriam era retornar à sua terra querida.
À bordo dos navios, os homens voltaram conversando, lembrando de
alguns momentos vividos e recordando dos companheiros que infelizmente não
puderam retornar com eles. “Não havia mais blackout, nem zigue-zague, nem
submarinos, espreitando-nos. Os soldados passavam o dia todo sonhando de
casa, com os seus”.
No Brasil, o comandante do Estado Maior já havia ordenado a
desmobilização da FEB, os homens poderiam usar o uniforme até oito dias depois
que chegassem ao Brasil, não mais. Depois, veio a proibição de formação de
grupos de veteranos e até mesmo comentários e leituras sobre a campanha. O
governo temia algum tipo de organização, já que os homens que lutaram na Itália,
depois de vencerem pela democracia, estavam mais conscientes da situação
política no país.
“... a ditadura nunca resistiria ao paradoxo de fazer a guerra lá
fora, em nome dos princípios democráticos e, aqui dentro, ignorá-los ou
espezinhá-los.”
Chegando no Rio de Janeiro, os soldados foram recepcionados com muita
festa. Havia comemoração em todo o Brasil, os homens mal conseguiram desfilar
devido ao assédio do povo, todos queriam fazer perguntas e chegar perto dos
homens que voltavam da guerra. Os homens encontravam-se felizes por estarem
de volta e ainda um pouco transtornados com a situação.
Bóris Schnaiderman e Leonercio Soares lembram de toda a indiferença
que o governo demonstrou com os homens recém chegados. Schnaiderman
lembra que retornaram ao quartel, e quem morava no Rio de Janeiro foi para
casa. Aqueles que moravam em outros estados e no interior tiveram que aguardar
no quartel até sair o soldo para poderem ir para casa. No quartel precisavam
escolher rapidamente se queriam engajar ou serem desmobilizados. A maioria
dos homens não era militar e só queria voltar para casa e, como era o esperado,
a grande maioria escolheu a desmobilização. Ainda haviam os boatos e
promessas do governo de que aqueles que lutaram teriam emprego garantido em
órgãos públicos, o que nunca aconteceu.
No dia de receberem o soldo de guerra, mais uma surpresa, recebiam
descontos por todos os materiais que acabaram perdendo na guerra. Uma
ousadia de um governo, que mandou seus homens com uns míseros uniformes
de segunda linha, cobrar por um capacete ou cantil perdido. Mas ninguém
reclamou, todos só queriam ir para casa o mais rápido possível. E foi o que
aconteceu; um dia pracinha e no seguinte, um simples civil.
Os ex-combatentes não receberam nenhum tipo de auxílio governamental.
Nenhum tipo de exame físico, principalmente mental, foi feito nos homens que
voltaram.
Quando a FEB foi desmobilizada, até mesmo os soldados que estavam
nos hospitais receberam baixa do jeito que estavam e não ganharam nem a
passagem de volta para casa.
Outra injustiça, lembrada por Leonércio Soares, foi sobre as promoções.
Os oficiais, mesmo os que nem chegaram perto do front e os que não
continuaram no exército, tiveram suas promoções garantidas e foram promovidos a
dois ou três postos superiores. As promoções de praças, os que mais se
expuseram e trabalharam na guerra, foram raras. Receberam condecorações e
medalhas por seus méritos mas nenhuma promoção.
“ Quem foi soldado, voltou
soldado; quem foi cabo, voltou cabo; quem foi sargento, voltou sargento. E assim
foram transferidos para a reserva.”
Algum tempo após a desmobilização, muitos ex-combatentes, com
problemas de readaptação ou mesmo financeiro, cairam na mendicância ou
morreram como indigentes. Era comum achar em jornais da época notícias sobre
a morte de algum indigente que trazia consigo objetos que o identificavam como
um ex-pracinha.
Estes últimos fatos principalmente, levam a constatação sobre a
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial como um resultado de acordos
políticos e econômicos entre os EUA e Brasil. O contexto histórico político que se
apresentou de fundo, ilustrado pelas relações Brasil- Estados Unidos, demonstrou
que a participação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial aconteceu para
atender aos interesses políticos e econômicos de ambos os países.
Os Estados
Unidos precisavam das matérias primas brasileiras e temiam que o governo
brasileiro pudesse tornar-se integrante do eixo, o que acabaria influenciando
também outros países da América do Sul, representando uma ameaça.
O Brasil, por sua vez, em vias de começar a investir em indústrias,
precisava de capital estrangeiro e, aproveitando este ensejo, os EUA iniciaram
uma aproximação com os países sul-americanos e principalmente o Brasil.
O envio de homens à guerra foi uma garantia de que o Brasil realmente se
encontrava ao lado dos aliados, principalmente porque fariam parte do exército
norte-americano.
O governo brasileiro comprometeu-se com os EUA a enviar homens para a
guerra, mesmo sabendo como seria difícil a mobilização de uma Força
Expedicionária. Os responsáveis pela mobilização e organização dos homens que
iriam para a guerra conheciam exatamente as condições precárias do exército
brasileiro então existente, prova disso é que muitos oficiais do alto comando se
recusaram a fazer parte da FEB, temendo suas carreiras no caso de um fracasso.
E era um fracasso que todos esperavam, alguns duvidavam até que a FEB
chegasse a ir para a guerra. Mesmo assim, a Força Expedicionária Brasileira foi
formada, com o mínimo rigor de seleção e enviada à Itália para lutar na Segunda
Guerra Mundial. Ao longo da campanha militar brasileira, à medida que os
soldados deparavam-se com as dificuldades, começaram a sentir a indiferença,
principalmente da parte do governo brasileiro e dos responsáveis por sua
organização.
Foram estas dificuldades, enfrentadas pelos soldados brasileiros, que
deram margem à uma construção de heroísmos frente aos inimigos.
Percebe-se, segundo os pesquisados, que as dificuldades representaram
um diferencial, criando entre os combatentes um sentimento e discurso próprio,
aferindo grande importância à sua participação. Todos os exércitos que lutaram
na Segunda Guerra mundial costumam ser lembrados e merecedores de honras,
mas o exército brasileiro, justamente por sua insignificância em relação ao
andamento geral da guerra, precisou, de certa forma, uma justificativa para
engrandecer sua importância como digna dos mesmos méritos e honras. Esse
discurso destaca as falhas de organização que, de fato, acarretaram inúmeras
consequências no decorrer da guerra, dando ao soldado brasileiro, devido as
situações enfrentadas e ao contexto histórico brasileiro ao qual o envio de
homens à guerra aconteceu, a condição de herói.
Conclusão da monografia de Karine dos Santos: "Os Bastidores das Batalhas: O Cotidiano; Os Pracinhas Brasileiros na Segunda Guerra Mundial".
Apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em história, como requisito à conclusão do curso de história, Setor de Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, sob a orientação do Professor Antônio César de Almeida Santos.
Curitiba/2.004.
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