quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

CONTINUE SENDO MADRUGADOR.

Genoma dos madrugadores os protege da depressão.
Pessoas predispostas a acordar cedo compartilham genes que melhoram sua saúde mental.

estudo identifica 351 genes que influenciam na facilidade para acordar cedo. KINGA CICHEWICZUNSPLASH.
Os cientistas chamam de cotovia o tipo de pessoa que sai da cama com facilidade e é mais produtivo pelas manhãs. Seu cronotipo — este é o nome técnico para cada padrão de sono e de atividade — é oposto ao dos corujas, que trabalham melhor à noite e se deitam e levantam tarde, de acordo com as convenções sociais. Um novo estudo, publicado nesta terça-feira na Nature Communications, revela que aqueles que são geneticamente programados para acordar cedo têm menos risco de ter doenças mentais, como depressão ou esquizofrenia. 
Além disso, eles dizem se sentir melhor que os outros.
Sabia-se que a genética de cada indivíduo condiciona sua facilidade para seguir um ou outro horário. Mas as pesquisas anteriores identificaram apenas um punhado de genes relevantes para o cronotipo, e os estudos que buscaram uma ligação com a saúde só encontraram correlações, e não causalidade. 
O novo trabalho, que analisou o genoma de 697.828 pessoas, conclui que há pelo menos 351 genes que predispõem uma pessoa a ser coruja ou cotovia, centenas mais do que os 24 que se conheciam. Ao determinar quais variantes genéticas compartilham as cotovias, os pesquisadores foram capazes de estabelecer uma relação de causa e efeito entre ser madrugador e gozar de melhor saúde mental.
A equipe de pesquisa internacional liderada por biólogos da Universidade de Exeter (Reino Unido) analisou os genomas de cidadãos britânicos reunidos no banco de dados de pesquisa UK Biobank e também dados da empresa privada norte-americana 23andMe, que vende testes pessoais de genética. Cada participante havia indicado seu padrão de sono previamente em uma pesquisa. No entanto, os cientistas estavam à procura de uma medida mais objetiva do cronotipo, de modo que incluíram na análise dados de 85.760 pessoas cujas horas de sono foram registradas com uma pulseira de atividade.
O estudo confirma que aqueles que eram geneticamente predispostos a serem cotovias dormiam em média 25 minutos mais cedo do que as corujas. Obtiveram essa medida ao comparar os 5% de pessoas que tinham mais genes madrugadores em seu DNA com os 5% que tinham menos. A diferença de horário entre um extremo do espectro e o outro parece modesta, mas é estatisticamente significativa. Não houve diferenças, no entanto, na duração ou na qualidade do sono.
Embora os matinais digam ter melhor bem-estar em geral e de ter sido detectado que eles têm menos casos de depressão e esquizofrenia, os pesquisadores não encontraram evidências de que ser madrugador proteja contra outras doenças, como a diabetes ou obesidade. “Isso foi um pouco surpreendente”, diz o biólogo Samuel Jones, da Universidade de Exeter, um dos autores do estudo. “Muitas pesquisas constataram que as corujas têm regulação metabólica pior e talvez um risco de diabetes e obesidade. Mas esses estudos tendem a ser de correlação; ao usar a genética, nós pudemos inferir a causa e o efeito”.

Jet lag social
Uma possibilidade para explicar os resultados anteriores é que exista um terceiro fator comum para quem vai dormir tarde e para quem sofre dessas doenças, explica Jones. Mas também é possível que ser coruja não seja inerentemente ruim para a saúde, mas que o prejudicial seja se levantar cedo por compromissos sociais e de trabalho quando a genética o predispõe ao contrário. Isto produz desequilíbrios nos relógios biológicos internos, ou jet lag social, e tem consequências negativas demonstradas para a saúde.
De fato, muitos dos genes identificados neste estudo são responsáveis pela regulação dos relógios circadianos do corpo, processos bioquímicos que governam a periodicidade das atividades celulares. Jones observa que “o ritmo circadiano pode ser treinado até certo ponto”, especialmente tentando manter uma rotina para se deitar e acordar sempre na mesma hora. “Se você é uma pessoa da noite, pode conseguir avançar uma grande parte do caminho para ser uma pessoa da manhã”, explica o pesquisador. Mas acrescenta: “Os genes vão te deter no trecho final, porque as corujas têm um relógio interno que funciona um pouco mais devagar. Isso é genético e não pode ser alterado”.
O prejudicial é se levantar cedo por compromissos sociais e de trabalho quando a genética o predispõe ao contrário.
Maria José Martínez, coordenadora do Grupo de Cronobiologia da Sociedade Espanhola de Sono (SES), que não participou do estudo, diz que “se nós vivêssemos em uma sociedade na qual cada um pudesse organizar seus horários (trabalho, sono, etc.) livremente, seria indiferente para a saúde ser matinal ou vespertino”. Mas Martínez, que também é gerente da empresa de assessoria circadiana Kronohealth, matiza que, para as corujas isso somente acontece “desde que se use luz artificial intensa durante as horas de vigília e se evite a luz durante as horas de sono”.
A incidência de luz é um fator importante porque interrompe a produção de melatonina, um hormônio que favorece o sono. Um conselho para adiantar a rotina quando o corpo não pede é se expor à luz, natural ou do abajur, no início da manhã, inclusive antes de despertar. Curiosamente, Jones e seus colegas descobriram que alguns dos 351 genes associados com o cronotipo são expressos nas células da retina, no olho, o que sugere que “as cotovias provavelmente percebem a luz de forma ligeiramente diferente das corujas”, de acordo com o autor do estudo.
Outros genes que foram identificados são expressos no hipotálamo, uma região do cérebro com funções de regulação do sono e da vigília, alguns participam do metabolismo da insulina e existem aqueles que influenciam o processamento de substâncias estimulantes, como a cafeína e a nicotina. Tudo isso aponta para diferenças fisiológicas intrínsecas entre as corujas e as cotovias, mas são necessários estudos detalhados para revelar como e por que afeta cada uma destas variantes genéticas do cronotipo e, por extensão, a saúde mental.

EL PAÍS

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