sexta-feira, 14 de maio de 2021

DOCUMENTO PRA SE GUARDAR:

Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União Com fundamento no art. 81, inciso I, da Lei nº 8.443/1992, e no art. 237, inciso VII, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, o Ministério Público junto ao TCU vem oferecer REPRESENTAÇÃO, COM REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR, com o propósito de que esta Corte de Contas, pelas razões a seguir expostas, no cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Administração Pública Federal, decida pela adoção das medidas necessárias tendentes a conhecer e avaliar se a utilização de recursos públicos – tempo e servidores – da Advocacia Geral da União (AGU), em especial do Advogado Geral da União, na impetração de habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal em favor do ex-Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, visando permitir que ele fique em silêncio em depoimento marcado para o dia 19/5/2021 quando for questionado pela Comissão Parlamentar de Inquérito criada no Senado Federal para investigar a má gestão do combate à Pandemia da Covid-19, atende a interesse público ou se, pelo contrário, protege interesses particulares em conflito com o interesse público. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Ministério Público Gab. do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO 2 - II – Preliminarmente, reproduzo notícia divulgada em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/05/13/habeas-corpus-pazuello: AGU entra com habeas corpus para Eduardo Pazuello A ideia é que Pazuello compareça à CPI da Pandemia, mas possa ficar em silêncio quando questionado A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou nesta quinta-feira (13) com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para blindar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Pandemia. O documento foi revisado pelo advogado-geral da União, André Mendonça. A ideia é que Pazuello compareça, mas possa ficar em silêncio quando questionado. A informação sobre o HC foi antecipada pelo analista da CNN Caio Junqueira na última terça-feira (11). O habeas corpus deve ser distribuído ao ministro do STF Ricardo Lewandowski, que está responsável pelos assuntos da CPI da Pandemia na Corte. O pedido deve ser analisado até o dia 19, para quando está marcado o depoimento do ex-ministro. Mendonça se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro, que avalizou a operação, mas o orientou a verificar se Pazuello concordava. Até a semana passada o general resistia à ideia, mas ele também avalizou o recurso. A avaliação do Planalto é a de que, ao proteger Pazuello na CPI, Bolsonaro se protege. A AGU vinha resistindo ao recurso, mas, diante da evolução da CPI, a leitura é a de que a ida do ex-ministro será inócua tendo em vista que, para governistas, a CPI já condenou o governo e, principalmente, a gestão Pazuello. O ex-ministro foi chamado à CPI como testemunha, o que lhe obriga a falar. Mas há jurisprudência no STF que considera a possibilidade de que a convocação como testemunha seja um subterfúgio para obrigar pessoas investigadas a depor. O que chama a atenção na notícia em tela é a possível utilização da máquina pública, em especial da AGU, para ingressar com ação em benefício particular do ex-Ministro da Saúde e, reflexamente, como revela a reportagem, do próprio Presidente da República, haja vista que a investigação em curso pode resultar em imputações de caráter personalíssimo. Conforme nosso texto constitucional, a AGU é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Ministério Público Gab. do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO 3 atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo1 . A referida lei complementar, em seu art. 4º, dispõe sobre as atribuições do Advogado Geral da União: Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União: I - dirigir a Advocacia-Geral da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação; II - despachar com o Presidente da República; III - representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal; IV - defender, nas ações diretas de inconstitucionalidade, a norma legal ou ato normativo, objeto de impugnação; V - apresentar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissão presidencial; VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente; VII - assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes; VIII - assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração; IX - sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público; X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal; XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal; XII - editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais; XIII - exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos das entidades a que alude o Capítulo IX do Título II desta Lei Complementar; XIV - baixar o Regimento Interno da Advocacia-Geral da União; XV - proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão; XVI - homologar os concursos públicos de ingresso nas Carreiras da AdvocaciaGeral da União; XVII - promover a lotação e a distribuição dos Membros e servidores, no âmbito da Advocacia-Geral da União; 1 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 131. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Ministério Público Gab. do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO 4 XVIII - editar e praticar os atos normativos ou não, inerentes a suas atribuições; XIX - propor, ao Presidente da República, as alterações a esta Lei Complementar;2 Da leitura dessas atribuições, nota-se que, consoante papel de representação da União ou de assessoramento ao Presidente da República, compete a AGU essa atuação quando for de interesse do Presidente no papel de chefe do Poder Executivo Federal e, portanto, sob o manto do interesse público, não para tratar de questão de interesse particular. Nesse caso a máquina pública não deveria ser utilizada devido ao possível desvirtuamento da utilização dos recursos públicos para benefício pessoal. A Portaria Nº 428, de 28 de agosto de 2019, que disciplina os procedimentos relativos à representação judicial dos agentes públicos de que trata o art. 22 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria-Geral Federal, assim dispõe a propósito desse assunto: DAS VEDAÇÕES À REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DE AGENTES PÚBLICOS PELA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E PELA PROCURADORIA-GERAL FEDERAL (...) Art. 11 É vedada a representação judicial do agente público pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria-Geral Federal quando se observar: (...) IV - incompatibilidade com o interesse público no caso concreto; No caso em questão, no qual se investiga, entre outras suspeitas, se a atuação do Ministro da Saúde e do Presidente da República favoreceu a disseminação da Covid-19 e prejudicou a oferta de vacinas contra a Covid-19 para a população, a incompatibilidade do habeas corpus em questão com o interesse público é evidente e dispensa maior esforço argumentativo. Não se pode permitir a transformação de uma questão privada em uma disputa financiada com recursos públicos. Deve-se haver claro limite da atuação da AGU para o exMinistro da Saúde e para o Presidente da República, sem adentrar em interesse particular destes, para o bem da democracia brasileira. Diante da gravidade dos fatos e dos fortes indícios de irregularidade, entendo, por bem, a atuação deste Ministério Público frente sua competência de promotor da defesa da ordem jurídica prevista nos art. 62, I, do RITCU e art. 81, I, da LOTCU. 2 Disponível em : < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm>. Acesso em 27.07.2020. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Ministério Público Gab. do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO 5 No momento em que o Advogado-Geral da União atua em prol do ex-Ministro da Saúde, e reflexamente em benefício particular também do Presidente da República, com o objetivo de defender interesses pessoais, há claro desvio da sua função. Importante lembrar que o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Qualquer ato administrativo vinculado ou discricionário deve sempre se conformar com o interesse público em três níveis de realização (constitucional, legal e econômico). Independentemente de qualquer outro vício, se o ato foi praticado contrariando a finalidade legal que justificou a outorga de competência para a prática do ato, ou seja, se foi praticado com desvio de finalidade, ele é nulo. Sendo assim, independentemente dos motivos alegados para a ação ora questionada, se o aparato administrativo da AGU foi usado em defesa de interesses pessoais, estaria, a meu ver, caracterizado o desvio de finalidade, uma vez que esse órgão não atuaria dessa maneira em favor de nenhum outro cidadão e que resta claro o conflito dos interesses particulares das autoridades investigadas e o interesse público de superar os obstáculos ao combate à pandemia da Covid-19 eventualmente de sua responsabilidade, quer seja de maneira dolosa ou culposa. Ademais, os supostos atos irregulares praticados com desvio de finalidade, espraiam efeitos inevitáveis no campo do julgamento das contas do Presidente da República. Por fim, é de se observar, ainda, que os fatos noticiados denotam, em tese, inadequado uso do cargo público visando interferência na atuação de órgãos oficiais, motivado supostamente por interesses político-pessoais, podendo caracterizar eventual crime de responsabilidade, por atentar contra a segurança interna do país e a probidade na Administração Pública, nos termos do art. 85, inciso IV e V, da Constituição Federal. Em face do prejuízo iminente, não só para o erário, mas sobretudo para a moralidade da Administração Pública no Brasil, a questão ora em consideração encerra as condições necessárias e suficientes para que, com base no que dispõe o artigo 276, caput, do Regimento Interno do TCU, seja adotada medida cautelar determinando à Advocacia Geral da União que se abstenha de promover qualquer novo ato em benefício pessoal das autoridades acima mencionadas, ou de quaisquer outras, sobretudo quando esse benefício se mostra em conflito com o interesse público, e adote as medidas necessárias para reverter a situação já estabelecida, como por exemplo, retratando-se dos pedidos já formulados ou declinando da representação ora questionada. Ressalte-se que este Ministério Público junto ao TCU possui legitimidade para representações junto a essa Corte, os fatos foram apresentados em linguagem clara e objetiva e estão acompanhados, em anexos, de todos os dados informados no bojo desta representação. - III - TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Ministério Público Gab. do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO 6 Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237, inciso VII, do Regimento Interno do TCU, requer ao Tribunal, pelas razões acima aduzidas, que adote medidas tendentes a: a) conhecer e avaliar se a utilização de recursos públicos – tempo e servidores – da Advocacia Geral da União (AGU), em especial do Advogado Geral da União, na impetração de habeas corpus junto ao STF em benefício do ex- Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com o objetivo de permitir que ele fique em silêncio no depoimento que prestará à CPI da Covid-19 instala no Senado Federal, atende interesse público ou se, pelo contrário, protege interesses particulares seu ou de terceiros; b) em caso de confirmação de que a utilização da Advocacia Geral da União (AGU) ocorreu em benefício privado; diante do desvio de finalidade do ato, apurar a responsabilidade dos envolvidos e aplicar as sanções cabíveis por uso indevido do órgão e dos recursos públicos a ensejar, consequentemente, dano indireto ao erário; e c) fazendo-se presentes, no caso ora em consideração, o fumus boni iuris e o periculum in mora, determine V. Ex.ª, o Plenário do TCU ou o relator desta representação, em caráter cautelar, que a Advocacia Geral da União se abstenha de promover qualquer novo ato em benefício pessoal das autoridades acima mencionadas, ou de quaisquer outras, sobretudo quando esse benefício se mostra em conflito com o interesse público, e adote as medidas necessárias para reverter a situação já estabelecida, como por exemplo, retratando-se dos pedidos já formulados ou declinando da representação ora questionada. Propõe-se, ademais, encaminhar cópia da presente representação e da decisão que vier a ser proferida ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (MPF). Ministério Público, 14 de maio de 2021. (Assinado Eletronicamente) Lucas Rocha Furtado Subprocurador Geral


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