Tenho imenso respeito pelo professor Paulo Saldiva, que por vezes vejo comentando as notícias do Brasil e do mundo no Jornal da Cultura (S.Paulo), na TV Cultura, sempre às 21h. Um humanista de primeira, homem culto, bem informado, poeta e de indiscutível capacidade médica. Mas a cada vez que ele comenta o nosso cenário político deixa-me um sentimento de tristeza, pois como ele é plenamente capaz de olhar o mundo pelas lentes médicas, penso que certos diagnósticos fora do estrito campo médico poderiam ser luxuosamente auxiliados pelo raciocínio clínico, e por que não dizer, biológico. Hoje (6/4/2022) ao comentar o cenário eleitoral atual, lamentou o fato de estarmos caminhando novamente para uma eleição “plebiscitária”, ou, como descrita por outros como “polarizada”.
Querido professor, não estamos caminhando “novamente para uma eleição plebiscitária” pelo fato de estarmos diante do cenário Lula x Bolsonaro. Este não é o nosso problema atual. Na realidade, o que temos hoje é o resultado de um país eternamente dividido pelas forças antes invasoras, depois dominadoras, depois imperiais, depois burguesas, depois militares, depois industriais e do capital, depois de “elites”, e que ao longo dos longos séculos só trocaram de nome, e que nos últimos 33 anos cristalizaram-se em duas forças políticas. O projeto de governo popular construído antes por João Goulart, Leonel Brizola e posteriormente Lula sempre foi presente, da mesma forma que o projeto do capital, com a diferença de que o segundo não tolera as vitórias democráticas do primeiro e vira o tabuleiro, conforme ensina a história, o que só prorroga o jogo com prejuízos para toda a nação, o que também se verifica com a história, se analisarmos a herança econômica do período da ditadura militar e o que herdaremos do golpe parlamentar de 2016 e do golpe jurídico-midiático de 2018 que acabou na eleição da barbárie.
Portanto, professor, não se trata de eleição plebiscitária. Trata-se de mais um momento onde o país encontra-se diante de escolhas políticas diante de um cenário multissecular, que hoje reagudiza-se unicamente pelo fato de escolhas anteriores não terem sido respeitadas.
O que divide o nosso país não são dois candidatos – infelizmente colocados em uma equivocadíssima situação de equivalência, como foi por você na noite de hoje – e sim a nossa história de doença crônica de dominação e violência institucional, algo que jamais deveria escapar de sua percepção clínica e cabedal cultural.
Felizmente o senhor ainda pertence a uma parcela privilegiada da classe médica e acadêmica, com menor grau de contaminação pelas forças das grandes mídias, mas ainda assim de alguma forma vitimado pela obnubilante avalanche de desinformação perene. O que peço ao senhor é algo que certamente não te falta. Olhe a política com senso e olho clínico. Foi o que fiz durante minha carreira, sem qualquer arrependimento, mas também com muito agradecimento aos que me ajudaram nesta construção.
NELSON NISENBAUM
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