SERMÃO AOS PEIXES
Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam nem domesticam.
Dos animais terrestres, o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres, com arte e benefícios, se amansam.
Dos animais do ar, fora aquelas aves que se criam e vivem conosco, o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento.
Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão pequeno, que não fuja dele.
Os autores comumente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião.
Não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro, e me parece que, se não fora natureza, era grande prudência.
Peixes, quanto mais longe dos homens, tanto melhor: trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!
Se os animais da terra e do ar querem ser seus familiares, façam-no muito embora, que com suas pensões o fazem.
Cante-lhe aos homens o rouxinol, mas na sua cadeia; vá com eles à caça o açor, mas nas suas pioses; faça-lhe bufonerias o bugio, mas no seu cepo; contente-se o cão de lhe roer um osso, mas levado onde não quer pela trela, preze-se o boi de lhe chamarem fermoso ou fidalgo, mas com o jugo sobre a cerviz, puxando pelo arado e pelo carro; glorie-se o cavalo de mastigar freios durados, mas debaixo da vara e da espora; e se os tigres e os leões lhe comem a ração da carne que não caçaram no bosque, sejam presos e encerrados com grades de ferro.
E entretanto, vós, peixes, longe dos homens e fora dessas cortesanias, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água.
De casa e das portas adentro tendes o exemplo de toda esta verdade, o qual vos quero lembrar, porque há filósosfos que dizem que não tendes memória.
- Sermão de Santo Antonio. Maranhão, 1651 -
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