O tema aportou à Corte em novembro, quando, no RE 670.422, a Corte teve 5 votos favoráveis aos transexuais. Na ocasião votaram Dias Toffoli (relator), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
A discussão foi retomada hoje após a presidente, ministra Cármen Lúcia, apregoar a ADIn 4.275, com a mesma temática. A ação não foi votada na oportunidade anterior apenas por falta de quórum.
Na sessão de hoje votaram Marco Aurélio (relator), Moraes, Fachin, Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.
Apesar de apresentarem votos com divergências, todos concordaram no ponto central: é possível a mudança de registro sem cirurgia.
A sessão foi suspensa, e o julgamento deverá ser retomado no início da sessão desta quinta-feira, 1º.
Requisitos para a mudança
A ADIn foi ajuizada pela PGR para que seja dada interpretação conforme à CF ao art. 58 da lei 6.015/73, norma que disciplina os registros de pessoas naturais.
Segundo o dispositivo, “o prenome será definido, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”.
Primeiro a votar, o relator, ministro Marco Aurélio, julgou procedente o pedido da ADIn, entendendo compatível com a CF a possibilidade de mudança de prenome e gênero no registro civil mediante a averbação no registro original.
O ministro condicionou a modificação, no entanto, aos seguintes requisitos: (i) idade mínima de 21 anos; e diagnóstico médico de transexualismo –presentes no art. 3 da resolução 1955/10 do Conselho Federal de Medicina –, por equipe multidisciplinar (médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social) após no mínimo dois anos de acompanhamento conjunto.
Neste ponto, o relator não foi acompanhado por nenhum dos demais ministros que votaram hoje.
Alexandre de Moraes observou que a fixação de idade mínima de 21 anos, por exemplo, poderia gerar dano psiquiátrico irreversível. Para o ministro, a possibilidade deve vir aos 18, com a maioridade.
Para Fachin, a mudança pode ser possibilitada por quem assim desejar, independentemente de cirurgia ou qualquer tratamento hormonal. Em sua opinião, os pedidos podem estar baseados unicamente no consentimento livre informado do solicitante, sem que sejam exigidos requisitos, como certificações médicas ou psicológicas.
Autorização judicial
Outro ponto de divergência foi quanto à necessidade de pedido de alteração de mudança de nome pela via judicial. O relator votou pela necessidade de autorização. Da mesma forma votou Alexandre de Moraes.
Fachin inaugurou a divergência: ao considerar que “a pessoa não deve provar o que é”, o ministro entendeu que “exigir a mudança via jurisdicional é um limitante incompatível com a adequada proteção integral”. Na opinião do ministro, a mudança de registro deve ser feita de maneira direta e administrativa, sem a necessidade da via jurisdicional. O tema causou debates entre os ministros.
Fachin foi acompanhado pelo ministro Luís Roberto Barroso, pela ministra Rosa Weber, e pelo ministro Luiz Fux. “Se nós entendemos que o procedimento é por autodeclaração, qual é o sentido de uma decisão judicial?”, questionou Barroso.
“A necessidade de ir ao Poder Judiciário pode ser um obstáculo insuperável ou pode ser um constrangimento a mais para essas pessoas, de modo que eu evoluo – porque no julgamento anterior havia aderido inclusive à conclusão proposta pela tese – estou aceitando que essa alteração possa ser feita perante o registro civil diretamente, sem procedimento judicial.”
Transexual x Transgênero
Outra divergência, desta vez aberta por Alexandre de Moraes, foi com relação à terminologia mais adequada. Para Moraes, a decisão deve ser ampliada aos transgêneros, e não ficar restrita aos transexuais.
Da mesma forma entendem os ministros Fachin, Barroso e Rosa. Barroso observou que, após pesquisa, constatou que boa parte do mundo utiliza a expressão transgêneros, a qual seria também adotada por ele na decisão.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Vários ministros destacaram pronunciamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em novembro de 2017, publicou opinião consultiva sobre identidade de gênero, igualdade e não discriminação de homossexuais. A publicação foi feita dois dias após a discussão do tema pela Suprema Corte brasileira, quando do RE 670.422. “Entendo que esse julgamento deve se compatibilizar não apenas com a CF mas também com a opinião consultiva que se assenta no pacto que citei”.
O ministro Barroso também destacou a manifestação da Corte Internacional, em passagem que diz que “os Estados devem respeitar a integridade física e psíquica das pessoas, reconhecendo legalmente a identidade de gênero autopercebida, sem que existam obstáculos ou requisitos abusivos que possam constituir violações aos direitos humanos.
Nessa perspectiva, recomenda-se que o processo de reconhecimento de identidade de gênero não deve impor aos solicitantes o cumprimento de requisitos abusivos, tais como apresentação de certidões médicas ou provas de estado civil, tampouco se deve submeter o solicitante a perícias médicas ou psicológicas relacionadas com sua identidade de gênero autopercebida, ou outros requisitos que desvirtuem o princípio segundo o qual a identidade de gênero não se prova. Portanto, o tramite deve estar baseado na mera expressão de vontade do solicitante”.
Processo: ADIn 4.275
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