“Não aceito resultado diferente da minha eleição”, desafia Bolsonaro na TV aberta.
O desafio explícito à autoridade eleitoral brasileira não tem precedentes desde a redemocratização. Declaração foi feita a José Luis Datena, da Band.
'Veja' revela processo no qual ex-mulher acusa candidato de furto e de ocultação de patrimônio
Jair Bolsonaro em agosto deste ano. REUTERS PHOTOGRAPHER / EPV
"Pelo que vejo nas ruas, não aceito resultado diferente da minha eleição", disse Jair Bolsonaro, candidato de extrema direita do PSL, em entrevista ao programa policial de José Luis Datena, na TV Bandeirantes, nesta sexta-feira.
O desafio explícito à autoridade eleitoral brasileira não tem precedentes desde a redemocratização.
Nunca, desde a volta às eleições diretas, um competidor com chances de vitória fez ameaça antecipada e explícita de que não reconhecerá os resultados.
"O PT só ganha na fraude", disse o deputado federal, sem apresentar qualquer prova.
Não há registro de fraudes de monta no sistema eletrônico de votação em 22 anos de instalação no país.
As pesquisas eleitorais, no momento, indicam que o candidato, que lidera no primeiro turno, mas é rejeitado 46% da população, perde em todos os cenários de segundo turno.
O apresentador perguntou a Bolsonaro, capitão reformado do Exército e cujo vice é um general, se os militares reagiriam no caso de uma vitória eleitoral do petista Fernando Haddad. Bolsonaro respondeu: “Sobre as instituições militares aceitarem o resultado, eu não posso falar pelos comandantes militares. Eu, pelo que eu vejo nas ruas, eu não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição. Isso é um ponto de visto fechado”, disse ele no Hospital Israelita Albert Einstein, onde segue internado após um atentado a faca em 6 de setembro.
Datena, então, pergunta se a declaração não é antidemocrática e Bolsonaro responde dizendo que não aceita um sistema apenas eletrônico, sem ao menos parte do voto em papel. O candidato conseguiu passar uma lei no Congresso para impor uma cota de votos impressos, mas a exigência acabou barrada pelo Supremo Tribunal Federal em junho.
Não fica claro, na entrevista, em que consistiria, por parte de Bolsonaro, o não reconhecimento dos resultados eleitorais.
A estratégia repete a usada por Donald Trump nos EUA – o republicano passou toda a campanha reclamando de fraude, até que venceu e não tocou mais no assunto.
Apoiado por cerca de 28% do eleitorado, o candidato tem insuflado a descrença no sistema eleitoral há meses.
Grupos que o apoiam pelo WhatsApp fazem circular pesquisas falsas mostrando a vitória do deputado no primeiro turno.
Adversários de Bolsonaro reagiram. "Bolsonaro diz que não vai aceitar a derrota. Mostra mais uma vez que não está preparado para a democracia, quer manter o país dividido. Respeite a decisão popular, candidato", disse, pelo Twitter, o tucano Geraldo Alckmin.
Em outro momento da entrevista, Bolsonaro disse ainda que, em caso de um eventual Governo Haddad, as Forças Armadas poderiam atuar "na primeira falta" que o petista ou seu partido cometessem. "Poderia acontecer com o PT errando, sim. Nós, das Formas Armadas, somos avalistas da Constituição."
Não existe na Constituição brasileira, feita depois que o país deixou para trás 20 anos de ditadura, nenhum dispositivo que preveja a atuação das Forças Armadas em caso de "erros" do Executivo.
Os militares devem obediência hierárquica ao poder civil.
A entrevista no programa popular de TV é um encerramento com potencial positivo de exposição em uma semana ruim para a campanha de Bolsonaro.
Além do Datena, ele falou ainda na Rede TV, no tour pela TV aberta pouco usual, já que a lei eleitoral brasileira fala em não tratamento privilegiado a nenhum candidato em mídia de concessão pública.
A série de reveses dos últimos dias teve um dos pontos altos na quinta-feira, quando a revista Veja revelou que a ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, o havia acusado de ocultação de patrimônio, recebimento de pagamentos não declarados e do furto de um cofre – além de ter dito que o candidato tem um comportamento “agressivo” – durante o processo de separação do casal.
Segundo a Veja, as acusações constam em um processo judicial que foi aberto por Valle em 2008 na 1ª Vara de Família do Rio de Janeiro.
À época ela e Bolsonaro estavam em meio a uma separação litigiosa. A ex-mulher do candidato à presidência afirmou nos autos que ele recebia “remuneração de militar da reserva, de deputado federal e outros proventos que ultrapassam mais de 100.000 reais mensais”, valor incompatível com a renda do casal. Valle não explica o que seriam estes “outros proventos”, responsáveis por triplicar a renda do parlamentar – cujos vencimentos oficiais somariam 35.300 reais.
Bolsonaro também não explicou.
Ele usou sua conta no twitter para reagir à matéria. “Estamos na reta final para as eleições. Mais uma vez parte da mídia de sempre lança seus últimos ataques na vã tentativa de me desconstruir. O sistema agoniza, vamos vencê-lo”, escreveu, sem comentar nenhuma das acusações. “Há anos tentam nos parar com rótulos criminosos falsos e com meias verdades distorcidas”, concluiu.
Ao Datena, ele disse: "A minha própria ex-mulher diz que ali mente muita coisa."
Ana Cristina Siqueira Valle, que agora usa o sobrenome Bolsonaro e é candidata a deputada, minimizou as acusações que fez em conversa com a revista.
Ainda segundo informações do documento obtido pela Veja, Bolsonaro declarou à Justiça Eleitoral em 2006, quando disputou vaga na Câmara federal, um patrimônio de 433.934 reais – apenas 10% do valor dos bens informados por Valle no processo com base na declaração do imposto de renda do militar. Ele teria deixado de fora três casas, cinco lotes, uma sala comercial e um apartamento. O professor de direito Eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público Daniel Falcão afirmou que a prática não constitui crime. “Alguns afirmam que o que o Bolsonaro fez poderia ser enquadrado como falsidade ideológica eleitoral, mas o Tribunal Superior Eleitoral não tem uma jurisprudência consolidada neste sentido”, diz. Na prática, não há uma exigência de que a declaração de bens à Justiça Eleitoral seja condizente com a do imposto de renda.
E a última estocada da ex-mulher no capitão veio na forma de uma acusação de furto: ele teria se apropriado do conteúdo de um cofre onde ela guardava joias e dinheiro em espécie em uma agência do Banco do Brasil, que somava 1,6 milhão de reais em valores atualizados.
Valle, que disputa uma vaga de deputada federal pelo Podemos – e usa o nome do ex em seu material de campanha - relativizou as acusações, que segundo ela seriam fruto de “excessos retóricos”.
O caso do furto foi arquivado pela polícia no ano passado, uma vez que Valle foi convocada a depor duas vezes, mas não compareceu.
Nas redes sociais os defensores de Bolsonaro se voltaram contra a Veja. Um vídeo gravado pela jornalista e candidata a deputada federal pelo PSL Joice Hasselmann no qual ela fala que um veículo da imprensa teria recebido 600 milhões de reais para prejudicar o capitão na reta final da campanha viralizou.
A hashtag Veja600Milhões entrou no trending topics do twitter. Em tempo, Hasselmann não apresentou prova alguma de suas acusações, tampouco falou que a Veja seria a beneficiária.
Mas a reportagem da Veja foi apenas mais um capítulo em uma semana recheada de más notícias para a campanha de Bolsonaro.
Dias atrás a ex-mulher do capitão já havia municiado uma matéria da Folha de S.Paulo, publicada na terça-feira, segundo a qual ela teria sido ameaçada de morte pelo ex-marido, e por isso se mudou para a Noruega. O relato da ameaça ficou registrado em um telegrama diplomático de 2011. Posteriormente ela negou os fatos, mas outra matéria do jornal ouviu brasileiros que conviveram com ela em Oslo e confirmaram que ela relatava ameaças.
As notícias ruins que atingiram a campanha esta semana também vieram do círculo íntimo bolsonarista. O capitão novamente se viu alvo de fogo amigo por parte de seu incômodo candidato a vice, o general Hamilton Mourão, que chamou na quinta-feira o 13º salário de uma “jabuticaba brasileira”.
Do leito do hospital Albert Einstein veio a resposta do cabeça da chapa: “O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição (...) Criticá-lo, além de uma ofensa à quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”. Esta não foi a primeira vez que Mourão precisou ser enquadrado ao dar declarações desastrosas. Ele já havia dito que casas só com “mãe e avó” são “fábricas de desajustados” para o tráfico de drogas, em um momento no qual a campanha lutava para reverter sua enorme rejeição ante as eleitoras.
Até na evolução de seu quadro de saúde, as notícias não foram boas para o capitão da reserva.
Inicialmente havia a previsão de que Bolsonaro recebesse alta na sexta-feira, mas a detecção de uma infecção bacteriana frustrou os planos do capitão.
Ele está internado desde o dia 7 de setembro, após levar uma facada em Juiz de Fora durante ato de campanha, e deve deixar até o próximo domingo.
Fonte: EL PAÍS
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