quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

GENTE QUE VEIO DE LONGE: SEBASTIÃO PAULINO DE OLIVEIRA


MEU IRMÃO DE COR

Mineiro. De Passos, sul de Minas Gerais. Conhecido como Tião.  Nasceu aos 29 de maio de 1.946. 
Diz que é de tanto trabalhar que os cabelos já branquearam. Acredito. 
Sebastião Paulino de Oliveira. 
Trajeto? 
Assim: de Minas para São Paulo, depois para Iporanga, depois Itapetininga e, finalmente, São Miguel. 
‘Aqui para morrer’, ele afirma, com categoria. 
Veio como mestre de obras para a construção do Centro de Saúde local. Tempo do José França. 
A mulher, dona Izadai, deu-lhe dois casais de filhos. 
Um deles, o Gerson, professor, leciona na Escola Maria Elisa. Tem a Jussara, funcionária da Vidraçaria Santos (casa comercial da qual ele faz publicidade de graça no boné fincado na cabeça por causa do vento forte). 
Já o Edson, esse trabalha na roça e a Jeanete é do lar. 
Tião não estudou. 
Nada. 
Durante vinte e sete anos, porém, foi chefe de armação de ferragem em várias firmas. 
Um viaduto em São José dos Campos tem a mão e o suor dele. Algumas pontes em Taubaté e em Peruíbe, também. 
Em São Miguel Arcanjo, além do Centro de Saúde, tem o prédio da Associação dos Trabalhadores Rurais e o piso, aliás, as pedras do Pedro Babão. 
Pedreiros do seu tempo, não se lembra muito, mas recorda do Cacique, do Ferrugem e de um outro Tião. 
É com orgulho que ele fala dos que cumpriam ordens suas, como o Serafim, o Joaquinzão, apelidado de Souza Cruz, o Pardal, que terminou seus dias no Lar dos Idosos, e o Nelsinho, dono de um bar. 
Come? 
Come três vezes por dia. 
De manhã, de tarde e de noite. 
De manhã, o cardápio traz, quase sempre, e de preferência, feijão com farinha e couve. 
Tião hoje é só pedreiro. 
Só. 
Aqui e ali. 
Vintão por dia. 
Não dão valor. 
Tem muita concorrência. 
Muito pedreiro ruim tirando serviço dos bons. 
Sofreu muita discriminação na vida e ainda sofre, afirma um pouco pensativo. 
‘-Tem gente que cospe em mim, que torce o nariz para mim’. 
A cidade? 
É um bom lugar para se viver, ele afirma. O povo é muito humilde, amigo e bondoso. 
Pobre de emprego, isso, é, sim. Que se há de fazer? 
Política? 
Zaguista! 
Vereador? 
Votou no Kodawara. 
-‘Não, não conheço ele. Um dia ele passou lá em casa, deu umas camisetas para mim...Ah, mas o voto é secreto, uai! 
Tião lembra que no tempo do Carpinho não havia cachorro jogado pela rua. 
O aperto de mão do Tião é forte. Por inteiro. Nada a esconder. Não há como se esconder, ele diz, ao tecer comentários sobre as  lições de história que aprendeu por aí: o negro veio de longe; foi à força trocado por açúcar, vendido em leilão como coisa qualquer. 
Quanto negro morreu no tronco, no pelourinho, na senzala, de frio, de dor, de saudade, de solidão... 
Lá se vai a risada do Tião. 
Risada forte. 
Risada gostosa. 
Meu irmão de cor. 
Da África. 
Negro não veio para este país porque quis. Veio porque os brancos, um dia, necessitaram dele, da força dele para construir uma nação.  

( publicado em maio de 2.001 - no jornal ‘Caminhos’)
Não vi mais o meu amigo depois desta crônica.

Um comentário:

Gerson de Oliveira disse...

Obrigado por estas palavras. Sinto meu pai homenageado por elas. Você é uma das poucas pessoas que sabem respeitar as outras pessoas e reconhece seu valor por sua simplicidade.
Sou o filho do Tião, e com orgulho.Sou negro como ele, sou professor sim, e graças a fé que ele depositou em mim.

GErson de Oliveira, filho do Tião