O MAIOR INTELECTUAL DE ONTEM DEMONSTRA SEU AMOR AO LUGAR.
“Oh! Fazenda Velha querida, berço da minha infância, terra que me viste nascer, como eu te idolatro!
Tenho saudades da tua velha Ermida, da qual não existem sinais; dos teus prédios de palha, arruinados, que já foram substituídos; dos teus anciãos honrados e nobres, que foram os meus guias e que agora dormem o sono dos justos na mansão eterna; enfim, tenho saudades dos cânticos religiosos de Anna Sampaio e dos terços domingueiros de Jesuíno Gomes; das serenatas do Padre Guerreiro e das procissões magistrais dos domingos de mês; de todas as minhas boas obras e de todas as minhas peraltagens;
Tenho saudades de tudo, de tudo.
Mas com o coração cheio de saudades do passado, eu me curvo ante as perspectivas do futuro...
Ah, como eram magistrais as procissões dos Domingos de mês! Não dá para resistir ao desejo de contar. Essas procissões eram sempre precedidas de outras cerimônias interessantes, bem como de divertimentos profanos que nada deixavam a desejar.
Os nossos dias de semana eram dedicados exclusivamente ao trabalho, à exceção dos Domingos ordinários que nos proporcionavam o descanso determinado pela Bíblia Sagrada. Mas a véspera do Domingo de mês, à tarde, tinha um não sei quê de mágico, de atraente, de sobrenatural.
Logo ao chegarmos da roça ou das capuavas, ferramentas ainda às costas, as nossas primeiras investigações pairavam sempre na mesma fórmula do mês anterior:
- Já deu o primeiro sinal da reza?
O interesse, portanto, era grande, a ponto de ser a reza de sábado, véspera do Domingo de mês, objeto de indagações por parte de todos os habitantes do bairro!
Às sete horas, pouco mais ou menos, assomava, garbosamente, à janelinha da Igreja, um tipo alto, de cabelos cor de fogo, cara azulada, nariz adunco, olhos pequeninos e azuis. Esse tipo era o Nhô Vicente, primogênito de Jesuíno Gomes, capelão-mor da Paróquia.
Em seguida, enrolava na mão direita a corda do badalo do sino, empunhando na esquerda uma grossa chave e as ondas sonoras da atmosfera levavam a todos os fiéis as acres melodias daquele instrumento sagrado!
Que alegria, meu Deus! Todos nós, a “una voce”, bradávamos: - Temos hoje reza e a festa do mês, amanhã! Deus conserve para sempre Nhô Jesuíno e toda a sua família.
E Nhô Vicente tornava a repicar o célebre:
"Galinha leitão
Sinhô Bispo aí vem"...
E nós admirávamos aquela música única, para a qual o dito Nhô Vicente tinha uma embocadura admirável!
A reza constava da “ladainha” cantada, da “glória das virgens” e de outros improvisos de Anna Sampaio, de Anna Vaz e do Capelão.
No dia seguinte realizava-se a procissão, com andores de São Miguel, de São João e de outros Santos, tendo sempre à frente o andor de São Benedito, para nos preservar das chuvas naquele dia.
Como não havia música, era cantado o Padre Nosso e o Terço, acompanhados pelo sino, patrimônio exclusivo do Nhô Vicente.
Recolhida a procissão, tinha lugar o leilão, cuja renda se destinava ao pagamento das despesas dos foguetes, das velas, etc.
Ah! Queridos leitores, quanta figura fiz eu nesses leilões! Nem desejaria lembrar-me disso.
Quantos frangos arrematei a um cruzado! Quantas dúzias de ovos a meia pataca! Quantos leitões a três patacas! Quantas pencas de lindos biscoitos a quatro vinténs!
Mas quantas marmeladas também no lombo ao chegar em casa, com os bolsos abanando...Essas ficam sem contar!"
(Texto extraído do jornal “O Progresso”, ano de 1.919, de autoria de J. Severo, pseudônimo do Major Luiz Válio).
SANATÓRIO NATURAL
‘A nossa cidade, pela sua posição geográfica, pelo seu clima maravilhoso, pelas suas águas cristalinas e puras, acalentada pelo sopro constante da brisa do sul, bem merece o nome de ‘Sanatório Natural’.
Nunca a nossa cidade foi visitada por epidemias malignas.
Apenas a gripe espanhola, em 1.918, aqui apareceu, mas foi tão fraca e tão estúpida, que a sua ação redundou num verdadeiro fiasco! Não matou ninguém!
A tuberculose não medra nestas paragens. Aqueles que, atacados desta terrível moléstia, aqui procuram alívio, muito breve ficam aliviados da própria vida. Apesar de já termos notado desses fenômenos, ela nunca pode contaminar com seus germes pessoas naturais da terra. Nunca vimos pessoas locais morrerem de tal enfermidade.
Por ocasião de uma festa em Iguape, de lá vieram alguns romeiros trazendo a varíola.
Pois bem! Eles aqui se trataram em suas casas, ficaram curados em poucos dias, e nem ao menos uma pessoa foi contagiada pela asquerosa moléstia!
O câncer não é conhecido entre nós.
Mas, perguntará o leitor, de que morrem, então, os habitantes de São Miguel Arcanjo?
Na cidade, morre-se de velhice e, raras vezes, de causas ignoradas, em se tratando dos adultos. Jovens de 15 a 30 anos, há muito tempo que não figuram no obituário local. Crianças de 4 anos para menos, para dizer a verdade, morrem por falta de cuidados, em sua maioria, e de verminose, alguns.
Nos bairros, exceção feita nos casos de ‘estropesia’, mordeduras de cobra e desastres nas derrubadas de matas, todos alcançam bisnetos e tetranetos."
(Texto do Dr. Ferdinando Cipó, um dos pseudônimos do Major Luiz Válio, no ‘O Progresso’ do dia 22 de fevereiro de 1.931)
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